O
trabalho
Este
trabalho, que foi apresentado no evento “Pesquisa + Unisinos”, está inserido
no projeto “Memória Sacra na Missão e Província Jesuítica do Sul do Brasil”. O referido, tem por objetivo fazer uma nova análise da ação dos jesuítas espanhóis e
alemães na Província de São Pedro do Sul dos séculos XIX e XX, problematizando
as informações encontradas na literatura clássica e analisando o material do
acervo de Memória Sacra, disponível no IAP (Instituto Anchietano de Pesquisas).
Queremos compreender a relação entre o catolicismo ultramontano dos Jesuítas
Espanhóis e Alemães com o catolicismo popular encontrado na Província de São
Pedro do Sul entre os séculos XIX e XX.
Utilizaremos
para este trabalho a revisão bibliográfica em livros clássicos, bibliografias
recentes (Ex.: História das Casas do Pe. Inácio Spohr) e, além disso,
consultaremos alguns documentos encontrados recentemente no Instituto
Anchietano de Pesquisas, que estão compondo o acervo Pe. Jaeger (ainda em
construção).
Através
destes documentos e dos materiais sacros-litúrgicos presentes no acervo de
Memória Sacra, far-se-á uma reflexão e problematização sobre as relações entre
o catolicismo jesuítico e o catolicismo popular gaúcho entre os sécs. XIX e XX.
Uma
segunda colonização
Teremos aqui, como ideia, uma segunda colonização
jesuítica (tendo em vista que a primeira seria a colonização católica jesuítica
missioneira, findada com a perseguição pombalina), no sentido de organização
religiosa, cultural e de formação intelectual-social.
Quando os primeiros jesuítas chegam a Província
deparam-se com diferentes realidades, dentre elas:
- Ignorância religiosa por “abandono” do clero secular.
- Formação de uma religião popular com a criação das confrarias e ordens terceiras populares, não seguindo o regimento católico romano.
- Falta de letramento e intelectualidade por parte dos colonos, tendo em vista que estes não tinham grandes colégios ao seu dispor.
- Falta de casas de formação para clérigos, no Sul do Brasil.
Deparando-se com esta realidade inicia-se um
processo de reerguimento da sociedade, seja religiosa ou civil, através
de uma segunda colonização, com valores e regras oriundos da Europa
católica e do ultramontanismo jesuítico.
§ Criam-se os seminários
§ Se reestabelecem valores católicos, vivendo a
normativa romana.
§ Retoma-se a vida sacramental.
§ Excluem-se com os eventuais “pseudos-sacerdotes” nas
colônias alemãs.
§ Iniciam-se as escolas paroquiais.
§ Exige-se o letramento para recepção dos sacramentos.
Uma
colonização “ultramontana”
O ultramontanismo, no século XIX, se caracterizou por uma
série de atitudes da Igreja Católica, num movimento de reação a algumas
correntes teológicas e eclesiásticas, ao regalismo dos estados católicos, às
novas tendências políticas desenvolvidas após a Revolução Francesa e à secularização
da sociedade moderna. (SANTIROCCHI, 2010, p. 1)
Entenderemos como uma ação jesuítica ultramontana, o
processo de romanização do catolicismo popular presente no estado entre os sécs.
XIX e XX.
A realidade católica no Rio Grande do Sul, como demonstrada
na carta do Presidente Provincial datada de 1º de fevereiro de 1841, em relação
ao colégio de clérigos seculares, não era nada bela. A inconstância moral e a
preocupação com poderes e riquezas predominavam na mente dos “parochos” da
época. Motivo talvez importante para um fortalecimento do catolicismo popular
na província. Como nos mostra os trechos da carta, disponíveis a seguir:
Para leitura, clique na imagem. |
Neste primeiro trecho o presidente provincial
nos remota a situação religiosa do estado, colocando que a religião cristã “parece
estar inteiramente amortecida”. A seguir, apresenta o motivo deste
amortecimento religioso que, segundo ele, tem causado tantos males ao estado.
Segundo tal documento a crise religiosas se dá pela má
preparação dos curas, ou seja dos sacerdotes, pelo seu interesse em poder e
pelo abandono das causas de fé, deixando o povo órfão da Igreja, entrando em um
“caos de todas as corrupções de costumes” e continua, “conservando a penas
algumas práticas do cristianismo como vestígio de sua antiga crença”. Tais práticas
nada mais são que o catolicismo popular fomentado no meio dos leigos na época. Na
perspectiva alemã, os pseudos-sacerdotes (“Laiengottesdienst”) e na perspectiva
portuguesa açoriana, as confrarias, irmandades e ordens terceiras. Com o
fortalecimento destas realidades de religiosidade popular, o catolicismo
românico, com suas regras de conduta, dogmas, liturgias, sacramentos, vai se
perdendo no meio do povo, dando espaço a estas vivências populares da fé.
Resume bem isso, Tavares, quando diz:
Se por um lado, era precário o estado eclesiástico, devido
a inexpressiva presença de párocos, no Rio Grande do Sul, especialmente em
Porto Alegre, em função das distâncias, principalmente da sede do Bispado, que
até meados do XIX ficava no Rio de Janeiro, por outro, as irmandades estiveram
presentes, desde cedo, na vida da população para suprir suas necessidades
religiosas. (TAVARES, 2007, p. 34)
Com a chegada dos jesuítas, que trazem consigo uma
cultura religiosa ultramontanista, em território sulino e com o levantamento
das primeiras paróquias por estes religiosos, inicia-se a percepção de que
haveriam dificuldades em retomar o fervor do catolicismo tradicional no meio
destes povos. Como diz Schimitz:
Os jesuítas encontravam dificuldades em transformar as
famílias lusas da paróquia no modelo que traziam da Alemanha: poucos falavam
sua língua e não compreendiam sua religiosidade. Esta se tinha formado num
tempo em que a população estava dispersa pelas fazendas, a paróquia era
atendida por um isolado sacerdote tradicional [...].
(SCHMITZ, 2017, apud, SPOHR, 2017, p. 7)
E segue:
Eles (os jesuítas)
vinham afiados na doutrina do Concílio de Trento, procediam de paróquias
estruturadas e eram muito conscientes de sua catolicidade frente a expansão
protestante e o liberalismo veiculado pela maçonaria. [...] compensavam o
insucesso com a população lusa com os altos resultados conseguidos nas picadas
dos imigrantes, que rapidamente se foram transformando em outras paróquias, nas
quais o sistema trazido da Europa funcionava satisfatoriamente. (SCHMITZ, 2017, apud, SPOHR, 2017, p. 8)
Não são poucos os relatos, encontrados em cartas, de jesuítas
reclamando suas decepções enquanto aos seus trabalhos apostólicos,
principalmente em meio aos lusos, que, talvez por terem ficados imersos mais
tempo que os alemães em um catolicismo popular, tinham maior dificuldade com o
catolicismo tradicional vindo junto aos jesuítas, como mostrado no trecho a
seguir:
O fruto do nosso
trabalho apostólico não correspondeu aos nossos justos desejos, excetuando os
colonos alemães nas colônias adjacente. Os lusos evitam a igreja e toda a
instrução religiosa e se retraem dos sacramentos. Há muita ignorância religiosa
e superstição. Não é permitido ensinar a doutrina cristã nas escolas. Quase a
única consolação é que a maioria, ao chegarem a morrer, chamam os padres para
receber os sacramentos. (SPOHR, 2017, p. 39)
Considerações parciais
Com a pesquisa, que ainda se encontra em fase inicial,
concluímos, até o momento, que o ultramontanismo se fez muito presente na ação
jesuítica na província sulina entre os sécs. XIX e XX, e que houveram conflitos
e divergências entre religiosos e leigos, principalmente na forma de se
praticar o catolicismo. O ultramontanismo jesuíticos se faz provar na
rigorosidade de seguimento das normativas litúrgicas, fato passível de
observação quando em contato com o acervo de materiais sacros, oriundos de
casas e paróquias jesuíticas, disponíveis no Instituto Anchietano de Pesquisas.
Tais materiais serão, pouco a pouco, disponibilizados no site do Instituto,
iniciando com os Missais.
Referências Bibliográficas
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TAVARES, Mauro D. Irmandades religiosas, devoção e
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SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Uma questão de revisão de
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SPOHR, Inácio. História das casas: Um resgate históricos
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Texto e imagens: Gabriel Azevedo de Oliveira
Instituto Anchietano de Pesquisas