O TESTEMUNHO DE QUEM ESCREVEU A ATA DA FUNDAÇÃO
PARTE II
Para compreender a trajetória do Anchietano é importante recuperar algo do contexto histórico regional.
Quando o Instituto foi criado havia poucas universidades no Estado. As faculdades de Filosofia, Ciências e Letras estavam surgindo. Estruturas educacionais básicas (colégios, ginásios, parcialmente também seminários) católicas e luteranas, a serviço da classe média dos moradores, respondiam por grande parte da cultura erudita,além de oferecerem ensino, educação e sociabilidade.
O Colégio Anchieta, pai do Instituto, estava localizado no centro de Porto Alegre. Ele atendia em aulas diurnas (pagas) os meninos e jovens de classe média; à noite (gratuitamente) os filhos de operários, ao todo 1.471 alunos em 1956. A maior parte das ações de ensino, educação, sociabilidade, cultura e pesquisa eram realizadas pelos jesuítas, que moravam no colégio. Ao tempo da fundação do Instituto éramos 61 jesuítas, entre sacerdotes, irmãos, ou estudantes universitários; em 2021 sobraram 12. (No colégio Catarinense de Florianópolis, no mesmo ano, eram 33 jesuítas, para 627 alunos entre internos e externos; em 2021 sobraram 10.)
Na década de 1960 o colégio mudou-se do centro para um bairro da cidade. E sucessivamente (1961, 1963, 1972, 1975) faleceram os principais pesquisadores, que nele viviam e se identificavam pelo colégio, mesmo quando também trabalhavam na UFRGS. Por outro lado, em São Leopoldo, se desenvolvia a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, na qual passou a se reunir um grupo de associados. Em consequência, foi a sede do Instituto transferida para esta cidade, onde os filiados passaram a atuar em nome de sua dupla pertença, constituíram laboratórios, gozavam de bolsas e verbas do CNPq e se identificavam como universitários. Esta identificação foi chancelada pelo convênio e a definitiva transferência para o Campus da UNISINOS.
Também é interessante registrar outras realidades do contexto, que marcaram a trajetória do Anchietano. Sua identidade inicial tinha o semblante do colégio, onde os jesuítas de formação geral (Humanidades, Filosofia e Teologia) desempenhavam todas as funções. A reforma universitária de 1968 introduziu a pesquisa, a dedicação exclusiva e a pós-graduação nas entidades universitárias; a insuficiência dos doutores necessários para tanto foi corrigida com a possibilidade do concurso de Livre-docência, que também dava este título. Como reflexo no Anchietano, os portadores de títulos de Doutor, PhD, Livre-Docente se tornaram mais numerosos que os de formação geral. E as pesquisas teoricamente orientadas começaram a contrabalançar as exploratórias, os associados a se identificar como universitários.
Com relação ao campo de estudos, a pesquisa social, que não interessara aos fundadores do Anchietano, começou a se mostrar importante para os religiosos jovens, levando à criação, em 1970, de um instituto próprio, o CEPOPE (Centro de Documentação e Pesquisa), ligado a Demografia, Sociologia e Cooperativismo e a maior atividade social, característica da nova etapa.
Mudanças não só no lado intelectual, também no fundamento religioso dos candidatos. Ao tempo de sua fundação, os jesuítas ainda eram numerosos: havia 61 jesuítas ligados ao velho Anchieta, entre professores, educadores, promotores sociais e culturais, além de estudantes jesuítas em formação universitária, em 2021 não passam de 12; havia 33 jesuítas no Colégio Catarinense, em 2021 não passam de 10; assim acontecia nas demais obras da Congregação. Os fundadores do Instituto contavam com a permanência e até o crescimento na filiação religiosa. Em consequência, imaginaram uma instituição grande, diversificada, internacional de Ciência e Cultura. Não podiam prever que, no ambiente do Concílio Vaticano II (década de 1960), a autoridade máxima da Igreja Católica invalidasse esse pressuposto facilitando uma nova opção a religiosos que não se consideravam satisfeitos com seu estado de realização pessoal. Esta abertura resultou em diminuição imediata e progressiva do número de jesuítas e também em número menor de candidatos para o Anchietano.
Esta é uma parcela do contexto em que surgiu e se desenvolveu o Instituto.
Por fim, para você mesmo fazer suas reflexões,listo os associados indicando data de nascimento e óbito, campo de estudo, se alguma vez foram diretores da instituição. No início havia jesuítas nascidos no exterior (*): nos EUA, na Alemanha, na Áustria, na Suíça, na Hungria, que ajudaram a formar bases locais porque estavam interessados em conhecer o novo espaço. Trabalhavam lado a lado com os nascidos no país, que finalmente os substituíram. Também estes envelheceram e não houve substituição adequada.
Como qualquer instituição humana, o Anchietano tem uma história. De acordo com a proposta dos fundadores, inscrita no Estatuto, os associados realizaram pesquisa, criaram e mantiveram coleções, promoveram e desenvolveramrealizações científico-culturais. Testemunhas são as publicações, em sua maior parte já digitalizadas; as coleções com milhões de acessos anuais; a biblioteca nascida do intercâmbio; os espaços de visitação popular, que acolhem milhares de crianças, estudantes e visitantes interessados. Mas, como se disse anteriormente, o Anchietano se tornou uma instituição de transição, que atuou no seu tempo e no seu contexto.
Agora, o Anchietano inicia nova etapa, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
---
Jesuítas, membros do Instituto Anchietano de Pesquisas:
Azevedo, Ferdinand*, 1938-2011, História.
Bohnen, Aloísio, 1936-2020, Economia, Diretor.
Bruxel, Arnaldo, 1909-1985, História.
Buck, Pio*, 1883-1972, História Natural.
de Aquino, Marcelo Fernandes, 1948- , Filosofia.
de Moura e Silva, José, 1928-2016, Antropologia.
Dornstauder, João Evangelista*, 1904-1994, História.
Haeser, Pedro Ernesto, 1925-1981, Biologia.
Hauser, Josef*, 1920-2004, Biologia.
Jaeger, Luiz Gonzaga, 1889-1963, História, Diretor.
Loebmann, Antônio*, 1899-1980, Cultura.
Maurmann, Ernesto*, 1908-1992, História Natural.
Nedel, João Oscar, 1921-2012, Biologia.
Pereira, Adalberto Holanda, 1927-1996, Antropologia.
Rabuske, Arthur José 1924-2010, História.
Rambo, Artur Braz, 1929-, Antropologia, Diretor.
Rambo, Balduíno, Botânica, 1905-1961, Diretor.
Rodrigues, Luiz Fernando Medeiros, 1957- , História.
Rohr, João Alfredo, 1908-1984, Arqueologia.
Schmitz, Mathias*, 1916-1975, Química.
Schmitz, Pedro Ignácio, 1929-, Arqueologia, Diretor.
Schneider, Egydio Eduardo, 1928-, Economia.
Sehnem Aloísio, 1912-1981) Botânica, Diretor.
Silveira de Mello, Afonso, 1901-1987, Antropologia.
Siqueira, Josafá, 1951-, Botânica.
Valente, Milton, 1912-1989, História, Diretor.
Wenzel, Guido, 1936-2014, Química.
Wetzel, Heribert, 1930-1995, História.
Zen, Idinei, 1983-, História.
FELIZ NATAL
Artesanato Amazônico
Texto: Prof. Dr. Pedro Ignácio Schmitz
Imagem: Acerco IAP