Os sambaquis são
acúmulos de conchas de moluscos e ossos de peixes, nos quais se encontram
artefatos em pedra, osso e concha e sepultamentos humanos. Eles ocorrem na
planície litorânea do Atlântico, junto de lagoas, canais, enseadas e rios desde
o norte do Rio Grande do Sul até o Espírito Santo, mas também em outros estados
brasileiros e na bacia amazônica.
O sambaqui, um
fenômeno mundial, é vestígio de ocupação humana do período holocênico, a partir
de quando a Humanidade passou a explorar intensamente recursos marinhos. Ele
está ligado à subida das águas do Oceano depois do último grande período
glacial, ao redor de 10.500 anos a. C., quando o mar estava mais de cem metros
abaixo do nível atual. A maior parte dos sambaquis aparece como pequenos
montículos, mas também existem os grandes morros, como o sambaqui do Carniça,
no sul de Santa Catarina, cuja fotografia reproduzimos abaixo.
Até a década de
1960 se discutia no Brasil se os sambaquis eram depósitos naturais do mar ou
produto de antigas populações humanas. Ambas as formações existem. Para os
geólogos é interessante o primeiro tipo, para os arqueólogos o segundo. Até
1961 eles não tinham legislação protetora nacional e eram explorados para
consolidar estradas, produzir cal para construção e ração para aves. A partir
de então começou intensa pesquisa arqueológica.
Os sambaquis passaram a ser considerados
testemunhos de assentamentos indígenas de populações que viviam na planície
litorânea explorando os recursos da água e da Floresta Atlântica. Neles foram
resgatados, para estudo, restos de alimentos, artefatos e esqueletos das
sepulturas de seus membros falecidos. Entre os restos, que ilustramos abaixo há
quebra-coquinhos ligados aos palmeirais da planície sedimentar, pesos de rede
da pesca oceânica, pontas de osso para matar ou retalhar animais, ornamentos
pessoais e pequenas esculturas em pedra, indicadores de uma população
tecnicamente bem apetrechada.
Os
esqueletos dos mortos, enterrados estendidos ou dobrados sobre si mesmos, foram
e continuam sendo objeto de inúmeras elaborações, buscando entender a
alimentação da população, seu desenvolvimento e desempenho físicos, sua saúde,
seu DNA para identificar o grupo biológico, sua origem e sua relação com outros
grupos.
Durante os
primeiros anos da pesquisa predominou entre os arqueólogos o pensamento de que
se tratava dos vestígios de uma população pouco densa, dispersa ao longo do
litoral e socialmente pouco estruturada. Alguns sambaquis teriam crescido até o
tamanho que hoje conhecemos como resultado de sucessivas reocupações e não por
acúmulo intencional de um grupo como símbolo de seu poder e domínio sobre a
região. No século XXI a teoria do poder se afirmou. A razão dessas construções seriam,
então, como na Europa e nos Estados Unidos, os numerosos mortos da população local,
enterrados nesses montes. A partir deles, a população local, que se imagina numerosa,
organizada, reivindicaria o domínio da região.
O modo de vida
representado nos sambaquis da planície atlântica e da bacia do Amazonas foi
estável e duradouro, estendendo-se de aproximadamente 8.000 a 1.000 anos atrás,
quando grupos cultivadores de plantas tropicais se apossaram do território.
Seus vestígios, mesmo protegidos por legislação federal, continuam sendo
intensamente destruídos especialmente pelo avanço da urbanização sobre o
litoral.
As três primeiras
imagens são fotografias da década de 1950: na primeira, o sambaqui da Carniça,
com 33 m de altura, ainda pouco impactado pelo homem; na segunda, a derrubada
das conchas de uma alta parede para dentro de uma peneira mecânica, a qual
deixava montes de material limpo, pronto para a queima; na terceira, já a
fumaça dos fornos esconde o sambaqui. Do colossal monumento sobrou uma camada
de um metro de altura.
O sambaqui da Carniça, antes da exploração |
O início da exploração |
Virando fumaça |
Quebra-coquinhos |
Tembetá e peso de rede |
Zoólito: uma ave |
Peça rara com impressões de corda |
Pingente de concha e ponta de osso |
Texto: Pedro Ignacio Schmitz
Fotos: Acervo IAP