quarta-feira, 24 de abril de 2019

Minha vivência como estagiário de patrimônio no IAP: uma análise da Memória Indígena


No primeiro semestre de 2019, tive a oportunidade de realizar meu estágio de Patrimônio Cultural no Instituto Anchietano de Pesquisas (IAP), orientado pelo professor Pedro Ignácio Schmitz. 

Nesse período, realizei leitura de textos de Arqueologia, observei a recepção de turmas nos ambientes de memória sacra e indígena da instituição, e fiz a análise do espaço arqueológico, onde pude investigar mais de perto a forma como o IAP divulga para as escolas e a comunidade seu trabalho arqueológico. As fotos aqui presentes são de minha autoria (clique nas imagens para ampliá-las).
  
Figura 1 – Reprodução de pinturas e demais itens (à esquerda), 
e vasilhames cerâmicos e cestaria (à direita).

Na sala do instituto destinada à Memória Indígena, estão dispostos uma série de artefatos que, de alguma forma, estão relacionados com o modo de vida dos grupos indígenas sul-americanos, especialmente brasileiros. Esse espaço é utilizado especialmente para receber alunos de escolas da região, e ajudá-los a conhecer um pouco melhor os indígenas que habitaram e ainda habitam nosso país.

O ambiente possui uma razoável diversidade de materiais, desde os mais típicos a serem lembrados quando pensamos em indígenas, como vasilhas cerâmicas, pontas de flechas, cestos e pinturas rupestres, mas vai muito além disso. Percebe-se a preocupação dos funcionários para apresentar uma amostra diminuta de todo o imenso acervo do IAP, com a escolha de itens que sejam significativos para se compreender a riqueza das culturas indígenas do Brasil. 

Isso é identificado pela presença de artefatos de uso diário dos nativos, como as cerâmicas, cestos, artefatos líticos, além de adornos corporais.

Parte da subsistência deles é visível na prateleira com ossos de alguns dos animais que eram consumidos, além do estande e banner com plantas diversas, que permite ao visitante reconhecer o valor que a domesticação de alimentos pelos indígenas teve para nossa alimentação moderna (como o consumo do milho e feijão, por exemplo).

 Figura 2 – Alimentos consumidos pelos indígenas (à esquerda), e vasilhames cerâmicos Guarani (à direita).

Além disso, a amostra de mais de um tipo de cerâmica, lítico e formas de sepultamento permite ao visitante perceber as diferenças entre os grupos, e as soluções que cada povo encontrou para se adaptar ao meio em que estava inserido e desenvolver seu modo de vida. 

Isso é visível, por exemplo, no banner sobre as casas subterrâneas dos grupos Jê no planalto sul-brasileiro, que foram uma adaptação desse povo para se proteger do frio intenso do inverno, época de frutificação do pinhão, importante fonte de alimento para os Jê.
  
Figura 3 – Adornos corporais e pequenas vasilhas decoradas Guarani (à esquerda), e formas de sepultamento por cremação e enterro direto (à direita).

A complementação da Memória Indígena com reproduções de pinturas rupestres, animais em madeira, cachimbos, maracas, cocar e outros adornos, aprofunda a visão sobre esses grupos, deixando clara a profundidade com que os nativos viam e interagiam com o ambiente, e a imensa riqueza cultural que a América gerou antes da chegada dos europeus.

A organização do espaço do IAP apresenta uma circularidade que faz com que o visitante possa caminhar pela sala de forma livre, mas sempre em um sentido rotativo, lembrando a visão cíclica empregada em algumas aldeias indígenas que organizam as habitações em círculos, e, também, a ideia dos Guarani do eterno caminhar em busca de uma terra sem males, que os faz permanecer em movimento, mas sem nunca perder o contato com os pontos em que seus antepassados e parentes se estabeleceram. 

Isso torna todo a Memória Indígena interessante por não deixar cantos menos privilegiados no ambiente, refletindo que nenhum item ali é mais ou menos importante, mas que todos possuem igual valor para se entender os indígenas, e devem ser conhecidos.
  
Figura 4 – Visão geral de um dos lados do espaço, com os diversos banners que complementam os artefatos dos estandes.

Por fim, percebe-se claramente que a organização do espaço pelo IAP foi feita com o intuito de provocar uma imersão cultural no visitante, que, ao caminhar pela sala, vai se aprofundando no conhecimento de vários pontos que compõem a vida dos nativos, como alimentação, trabalho, arte, relação com o sagrado e com a morte etc. Isso proporciona contato com outras visões de mundo, relacionamento com a natureza e com a comunidade circundante, levando a reflexões sobre como nossa sociedade precisa repensar suas ações para promover progresso consciente e com um mínimo de agressão ao ecossistema.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

PATRIMÔNIO É COISA SÉRIA


Patrimônio é coisa séria e precisa divulgação. Você sabia que o vale do rio dos Sinos, no século XVI, era todo ocupado por aldeias guaranis?  Hoje conhecemos 70 desses lugares, onde havia aldeias, casas ou cemitério. Na cidade de São Leopoldo fica um desses lugares, com uma antiga aldeia junto ao Estádio do Aimoré, outra no morro do antigo Lar da Menina, uma casa junto ao lago do CECREI, outra no Campus da UNSINOS, junto ao Centro Administrativo. 

As aldeias se compunham de duas ou três construções de troncos e palha, que reuniam algumas famílias. Elas se enfileiravam ao longo do rio nas primeiras elevações do terreno. O rio era o caminho entre as aldeias e também fornecia peixe. A mata, na subida dos morros, atrás das casas, fornecia caça. Ao redor da aldeia se plantava milho, mandioca, abóboras, feijões, batatas, amendoim. Eles não tinham animais domésticos, nem potreiros, no que se distinguiam dos primeiros colonos alemães. Os utensílios da casa indígena eram simples: pedras lascadas, cuias e panelas de barro, as maiores também usadas como caixão para um morto.

Era isto que, na década de 1960, os primeiros arqueólogos da UNISINOS e do Museu de Taquara ainda encontravam nas roças dos colonos: manchas de terra escura das antigas casas, carvão e muitos cacos de panelas de barro. Em 2014, os pesquisadores da UNSINOS retomaram os materiais e documentos guardados nos museus e com eles constroem uma narrativa do povoamento guarani. A publicação deverá circular ainda em 2019.

Pedro Ignácio Schmitz e Jairo Henrique Rogge, arqueólogos e professores de História da UNISINOS.


Coluna publicada no VS, dia 18 de março de 2019, p. 8.