quarta-feira, 20 de novembro de 2019

O QUE VOCÊ CONHECE DE RELÍQUIAS DE SANTOS?



Hoje falamos sobre as relíquias de santos católicos, guardadas no acervo de Memória Sacra, que está aos cuidados do Instituto Anchietano de Pesquisas, junto ao átrio da biblioteca da Unisinos.

Elas vêm de residências, colégios e igrejas jesuítas do Sul do Brasil. A maior parte delas foi trazida pelos missionários jesuítas, que fundaram a província da Congregação no Sul do Brasil e representa devoções tradicionais existentes em sua terra de origem, na Europa. Em suas obras, no Sul do Brasil, eles mantiveram seu uso durante um século, desde quando chegaram, em meados do século XIX, até meados do século XX, quando já eram substituídos por uma geração de jesuítas nascidos no Brasil; também em consequência das reformas na Igreja Católica produzidas pelo Concílio Vaticano II.

Estas relíquias se constituem de elementos materiais supostamente ligados a santos e beatos da Igreja Católica. Eram e são usadas em memória e veneração dos correspondentes santos e tornam a estes mais presentes e palpáveis que as estátuas, os quadros, as medalhas e os ‘santinhos’, que também os podem visualizar. A base material que constitui a relíquia concreta é variada, podendo ser pequeno fragmento de osso ou de outra parte do corpo do santo, ou pequeno fragmento de objeto com o qual ele esteve em contato, ou que nele foi tocado.

Essas pequeníssimas partículas se apresentam fixadas em cápsulas de metal, ou de outro material resistente como pedra ou madeira, tendo uma face coberta por vidro para sua visualização e identificação do nome do santo. Para validade, na veneração do santo, cada uma delas vem acompanhada do documento (bula) de uma autoridade eclesiástica, ou religiosa, que a identifica e credencia. Das relíquias conservadas no acervo, uma parte ainda tem a bula correspondente, outra parte está sem ela, que se pode ter extraviado; há também bulas já sem a correspondente relíquia. Mais recentemente se substituiu a cápsula de metal por pequena folha de papel, com a identificação do santo e uma correspondente oração.

As relíquias podem ser fixas, como a pedra-de-ara, em mármore, encaixada na mesa do altar. Ela constitui o altar propriamente dito; contendo a relíquia de um santo romano, tem a função de ligar a igreja local à igreja-mãe de Roma. Antes do Concílio Vaticano II não havia igreja, pequena ou grande, sem a correspondente pedra-do-altar. No acervo da Memória Sacra havia diversas pedras-de-ara, recolhidas porque em desuso. Quatro foram devolvidas a igrejas locais, que, outra vez, se deram conta de seu significado e importância.

Figura 1. Pedras-de-ara.

A pedras-de-ara da foto medem, respectivamente, 40 x 30 x 2,3 cm e 30 x 20 x 2 cm.

A maior parte das relíquias é móvel, ou portátil. Neste caso, a estrutura que envolve a relíquia propriamente dita pode ser artisticamente elaborada e provida de uma base para mantê-la firme num altar ou sobre um móvel, para veneração pública ou particular. No acervo da Memória Sacra existem amostras, de tempos e estilos diferentes, gótico, barroco, clássico. 

Figura 2. Relíquias antigas (pequenas, centrais) com nova apresentação, gótica.


Figura 3. Relicários com armação barroca e clássica.

O envoltório da relíquia também pode ser uma cápsula de metal de poucos centímetros, simples e de fácil manuseio. Com isso, ela pode ser colocada sobre um móvel (p. ex. a mesa de trabalho do usuário), ou carregada no bolso ou numa bolsa, para devoção particular. Constitui a maior parte das relíquias guardadas no acervo da Memória Sacra. Sete dessas relíquias, geralmente duplicatas, foram doadas a igrejas da região que as solicitaram para suas capelas.

De preferência o relicário é de apenas um santo, porém muitas vezes um mesmo envoltório contém relíquias de vários e variados santos. Nas fotos, algumas amostras.



Figura 4. Relicários portáteis.

Quem são os santos lembrados e venerados nos relicários? Para esta postagem os dividimos em dois grupos: a) santos jesuítas, b) personagens importantes da Igreja Católica através do tempo, desde Jesus Cristo, de sua mãe Maria, dos apóstolos, de Maria Madalena, dos mártires e virgens da perseguição romana, dos Santos Padres dos primeiros séculos, dos fundadores de ordens e congregações religiosas, de mártires de tempos modernos etc. São pessoas que por sua vida ou atividade merecem ser lembrados e seguidos como exemplos de vida cristã.

Falamos primeiro dos jesuítas, naturalmente muito representados nas obras da Companhia de Jesus: Santo Inácio de Loyola, São Francisco Xavier, São Francisco de Borja, São Francisco Jerônimo, São Francisco de Regis, São Luiz Gonzaga, Santo Estanislao Kostka, São João Berchmans,  Santos Tiago Kisai, João Soan de Gotó, Paulo Miki, mártires japoneses, São José de Anchieta, Santo Afonso Rodrigues, São Pedro Canísio, São Pedro Claver, P. Paul Ginhac,  São Carlos Borromeu, Padres jesuítas mortos em Paris de 24 a 26 de maio de 1871, Santo André Bobola, São José Pignatelli, São Claudio de la Colombière, São Roberto Bellarmino, Beato Carlos Spinola, São Roque González.

Nas bulas correspondentes é indicada a origem e proveniência da relíquia.

São João Berchmans: do quarto, das cinzas, dos ossos, do sepulcro.

Santo Estanislao Kostka: dos ossos, do envoltório do cadáver.

São Luiz Gonzaga: do caixão, dos ossos, do lençol que envolveu o corpo.

Santo Inácio de Loiola: do caixão, das vestes, de partículas do tórax, da Santa Gruta de Manresa.

São Francisco Xavier: do sepulcro, dos ossos, do barrete.

São Pedro Claver: dos ossos, do barrete.

São Francisco de Borgia: dos ossos, da veste, do barrete.

São Pedro Canísio: dos ossos, da veste.

São João de Britto: do tronco em que foi pendurado.

Santo Afonso Rodrigues: da veste.

Santo André Bobola: do envoltório fúnebre. 

São João Francisco Regis: do caixão.

São Francisco de Jerônimo: dos ossos, da veste.

São Roque Gonzalez de Santa Cruz: do coração e plasma sanguíneo.

Santos mártires japoneses: dos ossos.

Suas relíquias são distribuídas principalmente aos membros da Congregação e aos participantes das obras. As bulas que as credenciam podem ser assinadas por um superior religioso.

Continua...

Texto: Prof. Dr. Pedro Ignácio Schmitz
Fotos: Acervo Instituto Anchietano de Pesquisas



segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Jandir Damo


Todos nós temos várias histórias. O ideal seria descobrir uma história de sucesso, uma história interessante para causar empatia com as pessoas. Então poderia ser importante falar sobre a vida pessoal, acadêmica e profissional. É o que tentarei fazer.

Quem sou eu? Nasci em Barão de Cotegipe, município situado na região do Alto Uruguai. Contudo meu registro de nascimento é de Erechim, já que à época do meu nascimento esse município era apenas um distrito. Sou o sexto filho de um total de oito, sendo que as duas meninas mais novas faleceram ainda na adolescência.

Sou filho de descendentes de italianos, pequenos agricultores. Meu pai nasceu em Bento Gonçalves, minha mãe em Marau. Ambos migraram, juntamente com a família, quando ainda crianças, para Barão de Cotegipe, durante a década de 1920, residindo, ao longo de suas existências, no mesmo local.


Minha família. Eu sou o terceiro na segunda fila a partir da direita.

Minha comunidade. A chegada de imigrantes de origem europeia à região, começou por volta de 1911, quando, aos poucos, foram vindo os colonizadores italianos, poloneses e ucranianos, surgindo, no Alto Uruguai, um povoado que se chamou, inicialmente, Floresta que, com o trabalho persistente dos colonizadores, teve sua emancipação decretada no dia 23 de janeiro de 1965, recebendo o nome de Barão de Cotegipe. Os migrantes eram atraídos não com intuito de fazer fortuna, mas, simplesmente, para terem um local onde pudessem criar seus filhos.

Desenvolviam uma espécie de agricultura de subsistência, uma modalidade, que tem como principal objetivo, a produção de alimentos para garantir a sobrevivência do agricultor, de sua família e de sua comunidade, sem nenhum recurso moderno. Os instrumentos agrícolas mais usados eram: foice, enxada e arado. Entre os principais produtos cultivados nas propriedades estavam arroz, feijão, milho, trigo, batatas, frutas e hortaliças.

Minha escolaridade básica. Ela ocorreu em três escolas diferentes: da primeira à quarta série, na Escola Municipal Visconde de Taunay, a quinta série no Colégio Cristo Rei, escola Particular pertencente às irmãs da Congregação filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, e as demais séries no Colégio Estadual São José de Povoado Sérvia, todas, as escolas, pertencentes ao território do município de Barão de Cotegipe. Depois de concluído o ensino fundamental, fiz o ensino médio no Seminário Nossa Senhora da Salete em Marcelino Ramos, Rio Grande do Sul.

Meu ingresso no Seminário foi despertado pelo padre Ângelo Rosset, vigário da paróquia, que visitava a comunidade periodicamente. Esse religioso me confiou a missão de liderar o culto dominical, apesar de ter à época, pouca idade. Segundo ele, eu apresentava algumas habilidades para seguir a vida religiosa.

Minha vida acadêmica: 1. Graduação em Filosofia começou com o curso de Filosofia no então Colégio Máximo Cristo Rei, dos jesuítas, em São Leopoldo. O curso, na época, era dividido em duas etapas: Filosofia Eclesiástica, ministrada aos jesuítas no Colégio Cristo Rei e, Filosofia civil, ministrada no Campus da UNISINOS.

Com colegas no Colégio Cristo Rei.

Influenciado pela Filosofia Moderna, principalmente pelo pensamento de Descartes, pedi, a meus superiores, afastamento do Seminário. Para que pudesse seguir a caminhada necessitei buscar meu próprio sustento através do trabalho. Já dizia Benjamim Franklin: “O trabalho dignifica o homem”. Ou como diz um provérbio italiano: “El pan del sudor, el gá pí sapor”. O pão ganho com suor tem mais sabor.

Encontrei trabalho no Instituto Anchietano de Pesquisas, setor ligado à Universidade do Vale do Rio dos Sinos, cuja ênfase se dava na área da pesquisa arqueológica, história das Missões Jesuíticas, organização e preservação de acervos como sejam bibliotecas, museus de arqueologia e de memória sacra.

Na ocasião a sugestão do diretor do Instituto foi que eu pensasse, para meu trabalho de conclusão, algum tema ligado à minha etnia, indicando-me algumas obras interessantes sobre a Imigração Italiana no Rio Grande do Sul. Entre elas, a obra “Assim Vivem Os Italianos” escrita por Arlindo I. Battistel e Rovílio Costa, serviu-me de inspiração para escrever meu trabalho de Conclusão, cujo título é: Filosofia de Vida dos Italianos do Rio Grande do Sul. Na verdade, a elaboração da monografia obedeceu a um método de separação, distribuição e análise de provérbios. A intensão foi mostrar o modo de pensar do italiano no seu quotidiano, onde ele expressa seus valores materiais, humanos, morais e transcendentais.

Formatura em Filosofia

Minha vida acadêmica: 2.Graduação em História. Paralelo à pesquisa, para elaboração do trabalho de conclusão, trabalhei na organização de acervos. Um dos acervos interessantes e, do qual me orgulho de ter colaborado, é a Biblioteca da Província Sul Brasileira S.J. Foi durante a organização desse acervo que surgiu a ideia do curso de Licenciatura Plena em História, que foi concluído com a apresentação do Trabalho intitulado: Adversidades enfrentadas pelas reduções jesuíticas no século XVII, usando como fonte principal, as Cartas Ânuas.

Minha formação acadêmica: 3. Mestrado em História. Enquanto seguia o trabalho de organização da Biblioteca da Província, ia também, despertando o interesse de aprofundar os estudos na área das Missões, que levou ao ingresso no curso de Mestrado em História. É que, ao longo do tempo, ia descobrindo uma quantidade considerável de documentos e manuscritos dos jesuítas, estudiosos deste assunto. A convivência com muitos deles, como Pedro Ignácio Schmitz, Arnaldo Bruxel, Rafael Carbonel de Masy.  Arthur Rabuske, Bartomeu Melià, estimulou o interesse pela origem e desenvolvimento das missões jesuíticas na Bacia do Rio da Prata. A dissertação correspondente tem como Título: Guayra, no antigo Paraguay. Uma história de índios, colonos e missionários.

Todos esses cursos fizeram a base para meus trabalhos no Instituto Anchietano, para os quais faço pequenos comentários.

Principais atividades.
A organização da Biblioteca da Província é um acervo de uns cem mil exemplares, provenientes de casas jesuíticas desativadas ou de setores que se tornaram obsoletos. Compreendem desde obras muito antigas e raras, literatura em geral, textos escolares e muitos livros religiosos como missais, bíblias, rituais e breviários, além de coleções inteiras de periódicos, como o Deutsches Volklblatt. Esse acervo, depois de triado, higienizado e dividido em grandes setores muito serviu para pesquisas em diversas áreas, principalmente história. As centenas de Missais romanos, bíblias, breviários e outras obras ligadas ao culto religioso cristão fornecem rico material para o estudo da religião e da religiosidade entre os imigrantes de origem germânica. O Instituto tem, atualmente, dois projetos ligados a essas obras religiosas. Com a transferência recente do Instituto do centro da cidade para o Campus, este acervo foi consultado no sexto andar da Biblioteca da Unisinos.

Acompanhando a pesquisa sobre a Bíblia

Ainda sobram muitos exemplares da revista Pesquisas em duas salas no antigo assento do Instituto na cidade, que estão a meu cuidado, enquanto não é possível transferi-los para o novo espaço.

Manutenção da Biblioteca do Instituto e atendimento ao público. Com a transferência do Instituto também veio sua grande biblioteca, a qual reúne acervos pessoais de pesquisadores jesuítas ou leigos falecidos, mas principalmente o resultado do intercâmbio da Revista Pesquisas. Essa revista é dividida nas séries História, Antropologia, Botânica e Zoologia, que eram intercambiadas com instituições do mundo inteiro e traziam como permuta as correspondentes publicações. Ele reúne muitas obras clássicas, que eram difíceis de conseguir antes da Internet e uma quantidade de revistas internacionais. Com a transferência da cidade para o Campus foi necessário reorganizar o acervo e colocá-lo novamente à disposição. Um dos setores importantes é o que se refere às Reduções Jesuíticas do Paraguai e seu contexto. Ela também recolheu a biblioteca pessoal da Profa. Beatriz Vasconcelos Franzen e de Pedro Ignácio Schmitz. Meu trabalho principal é a biblioteca e suas disponibilização.

Registro de livros na sala de leitura da biblioteca

O acervo de Arqueologia. Com a transferência veio também o acervo de arqueologia, resultado de mais de cinquenta anos de pesquisas especialmente em duas regiões brasileiras: o Rio Grande do Sul e Santa Catarina no Subtrópico e, no Trópica, o Cerrado do Pantanal até o Sertão pernambucano. Durante todo o ano passado trabalhei em sua reorganização junto com o Pe. Schmitz. O trabalho ainda não está concluído.

Com um colega no acervo

Monitoramento de escolares no espaço Memória Sacra. Há um trabalho que me dá muita satisfação, é o monitoramento dos alunos das escolas no espaço da Memória Sacra, situado no saguão da biblioteca da Unisinos. Esse acervo reúne objetos religiosos provenientes de casas, paróquias e seminários de jesuítas que guardam a memória da atividade jesuítica. A maior parte é anterior ao Concílio Vaticano II e não estava sendo usada. São muitas centenas de alfaias (roupas usadas nos ritos religiosos ou por pessoas religiosas), cálices, ostensórios, relicários, missais, sacrários, estátuas, moveis variados e um altar de 1921. Mas também12 esculturas missioneiras restauradas, provenientes dos Sete Povos das Missões do Rio Grande do Sul, que são de especial interesse das escolas quando preparam sua visita à antiga redução de São Miguel. Contar a história dessas missões e dessas esculturas para as crianças é o que me dá maior satisfação. Este ano já passaram pelo espaço Memória Sacra mais de 2.300 crianças com visitas e também numerosos adultos curiosos ou interessados na história quando o espaço está aberto, duas vezes por semana.

Entre esculturas missioneiras


Assim era o antigo altar


Vestes e outros objetos sacros

Texto: Jandir Damo
Imagens: Acervo Pessoal de Jandir Damo - Acervo Instituto Anchietano de Pesquisas