sexta-feira, 13 de novembro de 2020

O PAI DO INSTITUTO FAZ 130 ANOS; PARABÉNS!

 Esta postagem é feita em homenagem ao Colégio Anchieta (1890), o pai do Instituto Anchietano, em seus 130 anos de atividade. O filho também já tem 64 anos de atividades e deseja contar, informalmente, um pouco das circunstâncias em que foi gerado, dos seus parteiros e de seu desenvolvimento. Escrevi a certidão de nascimento e devo ser o último dos presentes naquele momento.

Falo sobre o contexto, os primeiros sócios e a trajetória.



 Figura 1: O majestoso antigo Colégio Anchieta, onde o Anchietano nasceu.


O contexto:

O Instituto Anchietano de Pesquisas nasceu em 1956 no antigo Colégio Anchieta, na Rua Duque de Caxias, em Porto Alegre. Em sua origem está um punhado de jesuítas preocupados com a divulgação das pesquisas que estavam fazendo, a sobrevivência de suas coleções originais e a preservação da preciosa bibliografia especializada, adquirida com muito esforço, sem nenhum apoio institucional. 

O tempo em que o Instituto nasceu existia, em Porto Alegre, uma Universidade Pública e uma Universidade Católica, que formavam técnicos e cidadãos respeitáveis, não especialmente cientistas. Com características semelhantes existiam, na área metropolitana e pelas cidades do interior, Faculdades isoladas, federadas ou agregadas e outras estavam se formando. Aqui estão incluídas as Faculdades que os jesuítas de São Leopoldo estavam abrindo ao público.

Grande parte da produção cultural nascia de Institutos Históricos, Geográficos e/ou Etnográficos, que ofereciam vazão social à produção intelectual de seus cidadãos respeitáveis. Neles, ao lado dos mais variados temas, se buscava saber qual era, afinal, a identidade social do povo rio-grandense e qual parte em sua formação, competia a paulistas, açorianos, índios missioneiros e imigrantes europeus. O CTG formulou uma síntese possível. 

Na cidade havia, também, ginásios e colégios, confessionais ou públicos, entre os quais o Colégio Anchieta, que se propunham como atividade básica a educação de seus alunos para a sociedade do tempo; ela se fazia num contexto de produção e fruição cultural. O museu escolar era exigência para o reconhecimento oficial da instituição. Ele cobria especialmente o campo da História Natural e podia tornar-se uma plataforma de pesquisa original, que superava os objetivos iniciais. Foi o que aconteceu no Colégio Anchieta e desencadeou o processo de fundação do Instituto. 

Eu tive a graça de viver no Anchieta (figura 1), do começo de 1955 ao fim de 1958 como professor e estudante de História na Universidade Federal. Na residência do Colégio viviam 33 jesuítas, a maior parte ocupada com os afazeres da escola; outros se dedicavam à produção e divulgação de cultura, ao atendimento social e religioso e ainda os que estudavam nas duas universidades da cidade. A instituição oferecia cursos diurnos para jovens de famílias de classe média do centro da cidade, e cursos noturnos para operários e outros trabalhadores. Os jesuítas constituíam grande parte da mão-de-obra e os estudantes faziam prever um futuro promissor para suas obras. 

Então, uma tarde de sábado fui convocado para secretariar uma reunião na sala em que costumavam reunir-se os congregados marianos da casa. Ali, naquela tarde, nasceu o Instituto Anchietano de Pesquisas, uma sociedade civil de jesuítas ligados à produção e divulgação de Ciência e de Cultura. O futuro era previsto grande, multidisciplinar e multinacional. Eu escrevi a Ata da Fundação.


Quem eram os fundadores?

A ideia da fundação partiu de duas personalidades representativas na sociedade gaúcha: Padre Luiz Gonzaga Jaeger, historiador e agente religioso e Padre Balduíno Rambo, botânico e atuante ecológico. 

Os sócios fundadores eram sacerdotes jesuítas, com formação básica em Humanidades, Filosofia e Teologia, formação considerada suficiente para atuar em qualquer das obras da Congregação, mesmo na produção de ciência.

Vou identificar alguns fundadores e sócios admitidos nas primeiras horas.

Luiz Gonzaga Jaeger (1889-1963), como historiador procurava mostrar a importância da obra dos jesuítas, especialmente em sua relação com os índios guaranis e a contribuição desses missioneiros na formação da identidade gaúcha. Para consolidar o culto aos mártires jesuítas, ele buscou elementos materiais para indicar Caaró como lugar do martírio de Roque González e companheiros, e Santa Lúcia do Piaí como o de Cristóvão de Mendoza. Usava como plataforma de ação e divulgação o Instituto Histórico do Rio Grande do Sul. Seus continuadores foram Arnaldo Bruxel (1909-1985), que envelheceu enterrado em arquivos públicos, e Arthur Rabuske (1924-2010), um historiador multiforme

Balduino Rambo (1905-1961), botânico, preocupou-se com o conhecimento e a sistematização do mundo vegetal do Estado. Para ajuda-lo na tarefa convocou outros religiosos, jesuítas ou não-jesuítas, dividindo com eles o estudo. Entre os parceiros estavam Aloísio Sehnem (1912-1981), livre-docente-doutor, encarregado das Briófitas, e Canísio Orth (1906-1977), responsável pelas plantas medicinais. Ele mesmo ficou com a plantas superiores (que produzem flores), mas também recuperou o trabalho sobre os fungos e liquens de um antecessor, João Evangelista Rick (1869-1946). Para conseguir uma visão abrangente, sistêmica da vegetação, sobrevoou e fotografou boa parte do Brasil, e seu teco-teco fez mais de uma aterrisagem forçada. Notável foi sua preocupação com a formação de parques e a conservação de matas nas propriedades agrícolas. Sua base de operações era o museu do Colégio Anchieta, onde sua coleção de plantas somava mais de 80.000 espécimes. Também batalhou pela inclusão dos imigrantes na formação da identidade social gaúcha.

Pio Buck (1883-1972), suíço, interessou-se pelos insetos gaúchos. Ele reuniu 120.000 exemplares em sua coleção, onde se destacam as borboletas e os cascudos. Sua base de operações era o museu e seus auxiliares os alunos do colégio. A coleção continua na instituição de origem. 

Josef Hauser (1920-2004), húngaro, que estudava planárias e João Oscar Nedel (1921-2012), abelhas, são os primeiros doutores por universidades europeias, ultrapassando o nível de formação clássica dos jesuítas. Com essa qualificação aparecem, logo, Matthias Schmitz (1916-1975), alemão, químico e Milton Valente (1912-1989), especialista em Língua Latina e História Romana. A atuação deles não é mais pelo museu e o colégio, mas pela Universidade.

João Alfredo Rohr (1908-1984) optou pela arqueologia depois se retirar do magistério e da direção do Colégio Catarinense. Seu trabalhou resultou em considerável acervo de material cultural e biológico de antigas populações indígenas de Santa Catarina. Sua atuação também garantiu a preservação dos sambaquis do Estado, os maiores do litoral brasileiro. Como base de atuação criou o museu que leva seu nome. 

Pedro Ignácio Schmitz (1929- ), livre-docente-doutor, tornou-se arqueólogo por indicação de Balduíno Rambo. Sua proposta de criar uma amostragem representativa das antigas culturas indígenas do Brasil, com o apoio de equipes regionais, resultou em boas vidualizações para os estados subtropicais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, e para os estados tropicais de Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia e Pernambuco. Sua base de operações é a sede do Instituto, junto à UNISINOS, em São Leopoldo. 

Adalberto Holanda Pereira (1927-1996) era missionário entre os índios do Mato Grosso. Sua vida foi centrada em documentar os mitos de tribos indígenas atingidas pela ação missionária. Dez de seus levantamentos, às vezes bem volumosos, foram publicados pelo Instituto. Uma choupana junto ao rio, na proximidade de uma aldeia indígena, era a sede de seu trabalho. José de Moura e Silva (1928-2016) e João Dornstauder (1904-1994), austríaco, seus companheiros de missão, também pertenceram ao Instituto.


A trajetória da instituição

O Instituto nasceu no Colégio Anchieta, no Centro de Porto Alegre, onde a sede ficou até a morte de Balduíno Rambo, seu diretor, em setembro de 1961, quando ele foi transferido para junto das Faculdades que os jesuítas estavam formando no centro da cidade de São Leopoldo, junto ao rio dos Sinos (figura 2); as faculdades se transformaram na Universidade do Vale do Rio dos Sinos.  Nesses prédios, que tinham abrigado o Ginásio Conceição e o Seminário Central, ele permaneceu cinquenta anos. Agora ele está no Campus da Unisinos, onde ocupa toda a ala B05 (figura 3) e mais um espaço no piso térreo da biblioteca. 

Ali se encontram: a Secretaria, a Edição da Revista Pesquisas, a Biblioteca, salas de pesquisadores e bolsistas, o Herbário Anchieta com 142.000 espécimes originários das coleções de Rick, Rambo e Sehnem, com os básicos disponíveis em rede mundial de herbários (figura 4, a Reserva Técnica da arqueologia, com catálogo digitalizado, on-line (figura 5), a correspondente sala de Memória Indígena (figura 6); também a sala de Memória Sacra, com esculturas missioneiras, estátuas, vestes, livros e objetos litúrgicos (figura 7). As vestes já foram digitalizadas, os livros sacros parcialmente. As Salas de Memória atendem as escolas da região e visitantes em geral.

O Colégio Anchieta, agora Av. Nilo Peçanha, em Porto Alegre, fez questão de conservar a coleção de Pio Buck em seu Museu de Ciências Naturais. E o Colégio Catarinense, em Florianópolis, mantém as coleções de João Alfredo Rohr, no museu que leva o nome do arqueólogo. Essas coleções são administradas pelos respectivos colégios e ficam à disposição de alunos, pesquisadores e visitantes.  

Com isto se cumpre o item do Estatuto, que fala de preservação, continuidade e utilidade das coleções. 

Outro item do Estatuto, a divulgação da pesquisa, não foi descurado. Em 1957 saiu o primeiro número anual de Pesquisas, Revista de Permuta Internacional, abrangendo os diversos campos de estudo. A partir do terceiro número, ela se desdobrou em séries: Botânica editou 75 números; Antropologia, 75 números; História, 30 números; Zoologia, 33 números. Foi criada ainda a série Arqueologia do Rio Grande do Sul, Brasil, Documentos, com 11, e Publicações Avulsas, com 12 volumes. As séries História e Zoologia foram absorvidas pela UNISINOS. Inicialmente impressa em papel, a revista passou a ser digital e os números anteriores estão sendo igualmente digitalizados.

A criação da Revista Pesquisas seguiu o caminho traçado por outros grupos de pesquisadores jesuítas. Assim, já em 1902, os jesuítas portugueses tinham fundado a revista Brotéria, na qual João Ev. Rick publicou seus primeiros estudos de Fungos e Líquens. 

No correr dos anos, os sócios do começo foram desaparecendo, o total dos jesuítas, contra as expectativas iniciais, diminuiu drástica e repentinamente, os especialistas migraram para a, então, jovem Unisinos. O Instituto foi-se encolhendo, mas continua vivo e atuante. Vencido o limiar da pandemia do Covid-19, como outros setores e instituições, ele merece uma reestruturação dentro da Universidade. 


Breve avaliação:

Olhando para trás, percebe-se que o Instituto nasceu e se desenvolveu num período de transição. Ele nasceu num grande colégio de jesuítas de formação ampla e geral; atendia a melhor sociedade urbana provincial; num período em que a produção de Ciência e Cultura passava dos colégios e dos Institutos Históricos para organizações acadêmicas universitárias; o cientista deixava de ser isolado, autodidata e exploratório e começava a ser treinado, para trabalhar em equipe, com metodologia controlada, problemas específicos de interesse supranacional; a revista regional, por não mais criar impactos frente aos  grandes periódicos digitais, em inglês, desapareceu, ou foi digitalizada; as coleções materiais foram digitalizadas e seus conteúdos, digitalizados,  colocados em redes mundiais.

A pergunta final: O Instituto Anchietano de Pesquisas representou algo e foi útil para a sociedade transicional desse tempo? Quem viveu toda a transição e nela se realizou como pessoa e como profissional da Ciência, responde: Representou e precisa continuar. 

 


Figura 2. Aqui, na beira do Rio dos Sinos, o Anchietano ficou 50 anos.

 


Figura 3. Sede atual do Anchietano, no Campus da UNISINOS.



Figura 4. A maneira como são guardadas as plantas no Herbário.

 


Figura 5. A maneira como são guardadas as amostras da Arqueologia.

 


Figura 6. Aspecto da Sala de Memória Indigena.

 


Figura 7. Aspecto da Sala de Memória Sacra.



Texto: Prof. Dr. Pedro Ignácio Schmitz 

Imagens: Acervo de Imagens Instituto Anchietano de Pesquisa

Um comentário:

  1. Show a história destes memoráveis jesuítas e também o texto. Parabéns!

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