sexta-feira, 30 de outubro de 2020

EU E A ARQUEOLOGIA

 Suliano Ferrasso, hoje pai de um lindo menino, Biólogo por formação, Arqueólogo por assim dizer ‘osmose’, descendente de italianos, nascido em Caxias do Sul, RS.

O início do processo de ‘osmose’ com a Arqueologia se iniciou em 2008, dois semestres antes se iniciava a formação em Biologia. Desde muito cedo o assunto de populações pré-históricas me atraía, em especial entender quais eram as bases que sustentavam estes povos, ou seja, qual era a sua alimentação. 

Entre idas e vindas no início do curso de Biologia procurava absorver o que era possível, seja com leituras de livros e artigos, seja na busca por estágios em museus. Num primeiro momento pude me aproximar da paleontologia com um estágio no Museu da História Geológica da UNISINOS, juntamente com a prof. Dr. Tania Lindner Dutra, cuja experiência e sabedoria acerca da práxis científica foram muito enriquecedoras para mim. 

Em 2007/2 cruzei com um curso intitulado ‘Zooarqueologia de Sítios Históricos’, o termo Zooarqueologia me causou uma inquietação. O que isto seria, o que estudaria, e principalmente qual era o profissional que trabalha esta área. Realizei o curso e lá conheci o zooarqueólogo, Dr. André Luis Jacobus, este biólogo por formação que há muito tempo se dedicava a estudar o tema, e com o qual durante o curso muito pude aprender e entender o que é definido por Zooarqueologia. Através dele descobri então o Instituto Anchietano de Pesquisas (IAP), também da UNISINOS. Com a recomendação do André Jacobus, fui ao IAP a procura de um estágio. Lá fui muito bem recebido pelo Me. André Osório Rosa, também biólogo por formação e que também se dedicava a pesquisa zooarqueológica num setor do IAP que possui estreita ligação com a arqueologia. No decorrer das idas ao IAP fui conhecendo e sendo bem recebido por toda a equipe. O Dr. Pedro Ignácio Schmitz, pessoa incrível e um grande pesquisador com o qual aprendo até hoje. O Dr. Marcus Vinícius Beber, historiador por formação. O Dr. Jairo Henrique Rogge, geólogo por formação. Dentro desta equipe interdisciplinar pude ir então vivenciando e aprendendo por ‘osmose’ sobre a Arqueologia. Desta forma se iniciou a minha vivência com ‘Eu e a Arqueologia’.

Comecei no IAP como Estagiário Voluntário em 2008, no decorrer do tempo fui Bolsista de Iniciação Científica, e depois em 2011 pude integrar o quadro funcional do IAP, onde trabalho desde então. Durante este tempo todo foram muitas horas de análise e interpretação no Laboratório de Zooarqueologia, entremeados a muitas saídas de campo com a equipe do IAP. 

Em laboratório, o Zooarqueólogo necessita se abastecer de muito conhecimento, muita leitura sobre o assunto (teorias, métodos e perspectivas). De uma forma bastante abreviada o estudo zooarqueológico é anatomia comparada. Compara-se os vestígios alimentares pré-históricos com elementos conquiliológicos e ósseos de animais atuais, a partir desta informação básica se identifica nos vestígios as marcas de uso por populações pré-históricas e cruzando informações biológicas e culturais se começa o esboço dos padrões alimentares na pré-história. Esse conjunto de fatores (conhecimento prévio, identificação e interpretação) se desenvolve em laboratório, estudando diante de uma bibliografia, analisando um vestígio biológico e dando significado ao mesmo com a melhor interpretação possível.

A etapa que rende mais histórias e infinitamente muito aprendizado são as saídas de campo. Nestas ocasiões se aprende principalmente a distância entre a teoria e a prática. Nem sempre é fácil dividir uma Kombi entre oito pessoas, mais todos os equipamentos e bagagens numa viagem de seis horas num dia de sol de 36 graus. Começam aí os desafios e vemos como isso aproxima as pessoas.

Minhas vivências de campo me possibilitaram conhecer diferentes fisionomias sempre com a perspectiva da presença humana pretérita no meio ambiente. Isto é algo muito incomum dentro da formação em Biologia. Essa possibilidade de ampliar e visualizar estas dinâmicas sempre foi o que mais me atraiu, e sempre me motivou a continuar investindo nessa área. Pude participar de vários projetos, mas vou destacar três destes: Projeto Arroio do Sal (estudo de sítios litorâneos), Projeto São José do Cerrito (estudo de estruturas subterrâneas) e Projeto Uruguaiana (estudo de Estâncias Missioneiras).

No Projeto Arroio do Sal comecei a ter contato com o ecossistema marinho, sua riqueza em termos de fauna e flora, o seu complexo sistema de barreiras que caracteriza nosso litoral e o torna uma fisionomia única, isso tudo com a presença humana em tempos pretéritos atestado pela presença de Sambaquis e acampamentos de culturas ceramistas. Foram ótimas as saídas de campo, com a equipe muito discutimos sobre métodos de prospecção arqueológica e muito fui aprendendo sobre a Arqueologia. E também fui pensando sobre o que via nas aulas de biologia sobre questões ecológicas.

No Projeto São José do Cerrito pude experimentar a vivência num ambiente muito complexo e rico como a chamada Mata de Araucária, ou Floresta Ombrófila Mista, lá em meio a toda a riqueza biológica se encontram vestígios de populações pré-históricas do tronco Jê Meridional. Os vestígios destas populações são as popularmente chamadas ‘casas subterrâneas’, que através de seu estudo se pode verificar a estreita ligação deste povo com a Mata de Araucária e com tudo que ela oferece em recursos faunísticos e florísticos. Foram muitos anos de idas e vindas e muito estudo sobre estes povos. Nestas saídas de campo pude aprender muito sobre como escavar sob as aulas junto com o prof. Pedro Ignácio Schmitz.

No Projeto Uruguaiana foi uma outra experiência rica, em diversos sentidos, em termos de ambiente pude ter contato com um bioma extremamente rico e seriamente ameaçado, o famoso Pampa gaúcho. Pude ter contato e conhecer o verdadeiro gaúcho da fronteira, com seus costumes e seu jeito característico. A experiência se fosse por isso já seria ótima, mas foi muito além, e foi muito desafiadora, pois tive de novamente ir aprendendo por ‘osmose’ sobre um tema novo para mim até então, a Arqueologia Histórica. Novamente estar junto a uma equipe multidisciplinar foi fundamental, aprendi muito com os professores Marcus V. Beber e Jairo H. Rogge em campo, sobre o que olhar e como olhar, na medida do possível eu também ajudava a entendermos o ambiente no qual estávamos inseridos. Em laboratório tive muitas aulas com o prof. Pedro Ignácio Schmitz, a partir desse conjunto de aprendizados e saberes também pude ir contribuindo para agregar valor ao projeto.

Toda essa vivência dentro do ambiente da Arqueologia foi uma escolha minha e sempre me empenhei em dar meu melhor, com certeza ser determinado foi algo de definiu muitas coisas, mas igualmente a isto, ser bem recebido e ter pessoas dispostas a compartilhar e ensinar foi fundamental, sem os quais muito provavelmente não teria chegado até este ponto. Neste sentido costumo brincar, que é uma forma de descontrair, mas que é muito sério, aprendi Arqueologia por ‘osmose’ graças as oportunidades que tive, e que eu assumi com responsabilidade, e também por ter apoio de ótimos pesquisadores que muito me ensinaram.

Hoje sou  Mestre em Biologia, em Diversidade e Manejo da Vida Silvestre, e continuo buscando trazer este conhecimento adquirido formalmente para dentro da Arqueologia, junto a uma importante equipe. Que é formada por pesquisadores, e também por funcionários que auxiliam nas tarefas administrativas dentro da instituição, este trabalho conjunto fazem os resultados renderem bons frutos.

Desta forma esboço aqui um pouquinho do meu ‘Eu e a Arqueologia’, com certeza daria para escrever muito mais histórias, mas este foi parte de um começo.

 

Projeto Arroio do Sal. Escavação de um Sambaqui.



Projeto Arroio do Sal. Escavação de uma grande quadrícula em um Sambaqui.



Projeto São José do Cerrito. Equipe do IAP chegando, em atividade de campo.



Projeto São José do Cerrito. Vista de uma ‘casa subterrânea’, com a sua respectiva escavação.



Projeto São José do Cerrito. Escavação de uma quadrícula em uma ‘casa subterrânea’.



Projeto Uruguaiana. Visão geral das taipas de pedra dos currais na Estância São Sebastião.



Texto e Imagens: Ms. Suliano Ferrasso

Nenhum comentário:

Postar um comentário