sexta-feira, 16 de julho de 2021

OSTENSÓRIOS NA MEMÓRIA SACRA DA UNISINOS

A Memória Sacra da Unisinos é depositária de quatro ostensórios tradicionais, que vieram de casas jesuíticas desativadas no Sul do Brasil. 

Em todas as residências, paróquias, colégios dos jesuítas havia um ostensório clássico, usado em cerimônias religiosas da correspondente comunidade. 

O ostensório é um artefato sacro da Igreja Católica usado para exposição da hóstia consagrada para adoração e para bênção solene, tanto no recinto da igreja ou capela, quanto em procissões ao ar livre, como na de Corpus Christi. Como diz o nome, sua função é ostentar, mostrar com destaque, a hóstia consagrada em momentos solenes de culto. Depois da adoração e da solene bênção aos fiéis ela retorna ao sacrário, ou tabernáculo, no próprio ostensório ou guardada em uma teca, cápsula mais simples e de tamanho menor. 

A estrutura do ostensório é constituída de uma base de suporte (pé), de uma haste (braço ascendente), de uma cápsula central para a hóstia consagrada, que é cercada por coroas, raios e outras estruturas que destacam a hóstia em exposição. As diversas partes do ostensório podem estar enriquecidas com imagens variadas e pedras preciosas, predominantemente de cor vermelha, azul e verde, mas também pequenos diamantes pretos. 

A adoração e bênção são presididas por um sacerdote vestido de túnica, estola e grande capa e, na hora de levantar o ostensório para a bênção, ainda de um véu que cobre os ombros, os braços e as mãos. As vestes são brancas, a cor da Eucaristia. Orações e cantos que acompanham o ato exprimem os sentimentos dos participantes com o Cristo presente, cuja bênção aguardam. Toda a cerimônia vem acompanhada de muito incenso. 

Antes do Concílio Vaticano II a adoração e bênção solene de Jesus na 
Eucaristia, com o uso de ostensório, era prática consolidada e ocorria após a missa solene da manhã, mais uma vez no começo da tarde do domingo, nas primeiras sextas-feiras do mês, em outras festas e, com destaque, na festa Corpus Christi.

Na sala de Memória Sacra da UNISINOS estão guardados quatro ostensórios e algumas tecas, originários de casas jesuíticas do Sul do Brasil, que divulgaremos em próximas postagens. É uma pequena amostra da variedade de ostensórios e tecas produzidos nas joalherias europeias e usados nas casas jesuíticas no fim do século XIX e começo de século XX.

...

Mostramos, primeiro, um rico ostensório, de estilo românico, que veio migrando com a comunidade jesuíta da Residência Conceição, do Ginásio Conceição, do Seminário Central, da Faculdade de Filosofia e do início da universidade, até parar na residência do Campus da Unisinos. Em junho de 2021 o Superior desta residência jesuítica, padre Dorvalino Alieve, entregou sua guarda à Memória Sacra da UNISINOS. 

Ainda não temos documentos sobre a aquisição desse ostensório. Suas características mostram que é de origem europeia, do final do século XIX, estava ligado aos jesuítas alemães e parece ter sido criado para eles, como insinuam as figuras no pé do ostensório, onde estão representados quatro jesuítas dos primeiros tempos da Ordem e duas de suas principais devoções. A suposição é que tenha vindo a São Leopoldo com os missionários da província jesuítica da Alemanha, que criaram o Ginásio Imaculada Conceição junto ao rio dos Sinos (1870-1912).

É um ostensório extremamente rico. Em termos de confissão religiosa apresenta os símbolos da salvação e os quatro evangelistas. Em termos de tradição jesuítica: o Sagrado Coração de Jesus, o Puríssimo Coração de Maria e quatro dos mais importantes membros iniciais da Ordem. E em termos de arte, junta técnicas variadas para alcançar o brilho desejado. Para facilitar a avaliação de sua beleza, riqueza e significado penetramos em sua intimidade e revelamos uma parte de seus segredos. 

Mas lembremos: ele não foi produzido para ser uma obra de arte a ser contemplada enquanto tal, mas para homenagear a Jesus Cristo e ostentá-lo a seus seguidores, em momentos solenes de adoração coletiva e de pedido de bênção para suas vidas.


Vista frontal.


Vista posterior.


Vista parcial.


As figuras do pé do ostensório


Sagrado Coração de Jesus.


Puríssimo Coração de Maria.


Santo Inácio de Loyola.


São Pedro Canísio. 


São Luiz Gonzaga.


Santo Estanislao Kostka.


As figuras do bulbo da haste.

 (mosaicos)


O Cordeiro de Deus.


A cruz redentora.


A pomba da paz.


O nome de Jesus.


As figuras das aves 

(mosaicos)

(Mostramos 4 das 8 do ostensório)








Os quatro evangelistas

 (gravuras)


O evangelista São Mateus.


O evangelista São Marcos.


O evangelista São Lucas.


O evangelista São João.


As medalhas


Frente: José, esposo de Virgem Maria. (1871)



Verso: Povo e reino que não me servir, perecerá. (1879)



Frente: Leão XIII, Pontífice Máximo, ano II. (1879)



Verso: Pio IX, Pontífice Máximo, ano XXXI (1879)


Texto: Prof. Dr. Pedro Ignácio Schmitz

Imagens: Acervo I.A.P.


sexta-feira, 2 de julho de 2021

MEMÓRIA E PATRIMÔNIO RELIGIOSO COMO FONTE DE PESQUISA HISTÓRICA E DE EDUCAÇÃO HISTÓRICO-PATRIMONIAL

 

Este trabalho se faz inserido no projeto “Memória Sacra da Missão e Província Jesuíta do Sul do Brasil” que se encontra sob coordenação do Prof. Dr. Jairo Henrique Rogge e é Coorientado pelo Prof. Dr. Pedro Ignácio Schmitz, e ligado ao Instituto Anchietano de Pesquisas. Dando continuidade ao trabalho apresentado em 2020, intitulado “Relíquias de santos e sua finalidade cultual no catolicismo sulino dos séculos XIX e XX” e ao trabalho apresentado no VII DOS OFÍCIOS DE CLIO - 2019, “Memória e patrimônio religioso: a importância da preservação de materiais religiosos dos sécs. XIX e XX como história eclesiástica do sul do Brasil”, trabalharemos com a ideia de preservação patrimonial religiosa e do acervo religioso salvaguardado no Instituto Anchietano de Pesquisas como fonte de pesquisa historiográfica. Para a realização deste trabalho utilizou-se de pesquisa bibliográfica, pesquisa documental – utilizando de tradução de documentos, de forma especial das bulas das relíquias de santos, presentes na sala de Memória Sacra, preservados no acervo do Instituto – além da realização de entrevistas com pesquisadores e professores pertinentes ao assunto. 

1 - O Contexto Histórico Eclesiástico da Sala de Memória Sacra

A Sala de Memória Sacra, obviamente, preenche um espaço temporal maior que os acontecimentos da década de 1960. Todavia, para uma compreensão geral da importância da preservação de tais materiais religiosos, é importante compreendermos o processo ocorrido após as reformas litúrgicas do Concílio Vaticano II e de Paulo VI. 


Após o Concílio Ecumênico Vaticano II, ocorre, no contexto eclesial católico, uma grande mudança litúrgica, buscando renovar a visão da função laical na liturgia, aproximando o sacerdote católico do seu povo, através de adaptação e transformações em diversos rituais da Igreja Romana. Tudo isto dá-se com a publicação do documento conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia, que “trouxe um rompimento histórico na vida da Igreja, através de sua vivencia litúrgica e da percepção do protagonismo leigo. ” (OLIVEIRA, 2018). Tal reforma litúrgica dá-se não somente com a publicação do documento acima referido, mas com as mudanças feitas por Paulo VI, posteriormente ao Concílio Ecumênico.
(OLIVEIRA; SCHNORR, 2019, p. 271) 

 Com o abandono gradual de alguns ritos e com a mudança litúrgica da Missa, vários objetos litúrgicos, vestimentas, livros rituais, dentre outras coisas, caem em desuso e são relegadas ao esquecimento. As novas ritualísticas são simplificadas, abandonam o uso do Latim, tem as cores litúrgicas reduzidas – preto e róseo tornam-se opcionais, os altares são modificados e em algumas localidades os paramentos litúrgicos, como casulas e capas, são abandonados.

2 - E o que acontece com este patrimônio?

Na maioria dos casos, este patrimônio religiosos acaba sendo desvalorizado, tornado lixo ou esquecido em algum local onde vai, aos poucos, se perdendo. Há um processo gradual de retomada da consciência sobre a importância da preservação destes patrimônios que narram a fé e religiosidade de um grande período temporal. Neste sentido é importante compreender a importância deste patrimônio para além da preservação de memória, mas como fonte para a historiografia. 


Bula de relíquia de Santo

Os objetos sacros e religiosos preservados servem como fonte para a história da liturgia, para a história do culto e, dentre tantas outras possibilidades,  para a história da devoção aos santos, Os Missais e rituais trazem consigo as mudanças de rubricas e de ritos efetuadas por determinados pontífices e em determinadas épocas – exemplo.: Reforma litúrgica de João XXIII. As bulas mostram, ainda, a devoção particular de determinadas regiões – podendo ser averiguada através da comparação estatística de número de relíquias de santos enviados para uma determinada região em um determinado período temporal. Estas bulas e outros documentos, podem ser usadas para o reconhecimento de entes eclesiásticos envolvidos na tramitação para o recebimento de relíquias de primeiro grau, assim como para estabelecer os ocupantes de determinados cargos eclesiásticos em determinadas localidades e temporalidades.

3 - Educação Patrimonial

[...] tratamos patrimônio enquanto evidências materiais e manifestações das culturas, ou seja, conjunto de bens elaborados e passados ao longo das gerações. Nesse sentido, promover a preservação e valorização desses bens culturais, exige grande investimento na área da Educação: ações educativas que possam viabilizar a aproximação entre os agentes responsáveis pela preservação (IPHAN), os que estudam o patrimônio (pesquisadores) e a sociedade em geral, estabelecendo um diálogo necessário a trocas de conhecimentos.

(TEIXEIRA, 2008, p. 202)


O Patrimônio deve ser entendido como uma possibilidade de educação e conscientização histórica. Levar o conhecimento produzido nos gabinetes de pesquisa para a educação de crianças, jovens e adultos é fundamental para criar na sociedade uma valorização de sua história e de seu patrimônio. Além do mais, os espaços de memória quando recebem aos estudantes tem uma função de materializar os conteúdos teóricos dados em sala de aula, trazendo para a realidade visual os conteúdos que, por vezes, tornam-se abstratos aos educandos. O Instituto Anchietano de Pesquisas é exemplo na execução da ponte pesquisa-escola, recebendo inúmeros visitantes em suas salas de memória, promovendo a educação patrimonial. 


Número de visitas por ano nos espaços de memória do IAP.


Visita dos alunos da Escola Militar - Antiga Sede do Instituto Anchietano de Pesquisas

Nas últimas décadas a Igreja Católica tem buscado a promoção da  formação patrimonial e capacitação para a gestão do patrimônio cultural e histórico dentro de suas casas de formação para futuros clérigos. Desde 1988 com a publicação do documento Pastor Bonus cria-se a Commissione per la Conservazione del Patrimonio Artistico e Storico dela Chiesa. Tal comissão tem por objetivo promover a discussão sobre a preservação dos bens históricos e culturais da Igreja como um todo, assim como elaborar normativas e diretrizes para a educação patrimonial dentro dos seminários católicos. Cada Conferência Nacional de Bispos deve, desde o referido documento, promover a instalação das Comissões para a Conservação do Patrimônio Artístico e Histórico da Igreja no âmbito nacional e, por consequência, cada diocese deve formar sua própria comissão para a preservação dos bens históricos e culturais locais. 

La formazione dovrà farsi carico innanzitutto di tale integrazione, se icandidati al presbiterato provengono da ambienti segnati dal prevalereunilaterale della cultura tecnica e di una mentalità Â“scientifica”, presentando di conseguenza gravi lacune dal punto di vista dell'esperienza estetica, della sensibilità storica e letteraria, dellaconoscenza Â“partecipativa” del mondo artistico e, più ancora, dellacapacità di cogliere tali valori. [...] A tutti i responsabili dellaformazione è richiesta una buona sensibilità nei confronti del problema qui segnalato perché, come pensiamo di aver mostrato, l'acquisizionedella giusta sensibilità nel campo della promozione, custodia e valorizzazione dei beni culturali dipende da un insieme di fattori checoinvolge la responsabilità di tutte le diverse componentidell'educazione seminaristica.

(MARCHISANO; RABITTI, 1992, S.P.)


Devemos observar que a preservação de objetos sacros transcende as funções de preservação de um bem material; com estes bens se preserva a memória de uma religiosidade vivenciada por séculos e que representa um período da história que fez com que chegássemos onde estamos hoje. No campo da educação patrimonial, podemos observar duas vertentes que são a educação patrimonial para leigos – aqui tocamos as escolas que fazem as visitas guiadas ao espaço de Memória Sacra do IAP – mas, também, a educação patrimonial de religiosos, no intuito de capacitá-los para seus trabalhos futuros. E, por fim, destacamos a recente aproximação entre a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o IPHAN, firmando uma parceria para a valorização e promoção dos bens culturais e históricos católicos em todo o território brasileiro. 

Texto: Gabriel Azevedo de Oliveira
Imagens: Acervo IAP

REFERÊNCIAS

MARCHISANO, Francesco; RABITTI, Paolo. La formazione dei futuri presbiteri all'attenzione verso i beni culturali della Chiesa.Roma, 15 de outubro de 1992. Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_commissions/pcchc/documents/rc_com_pcchc_19921015_futuri-presbiteri_it.html>.
TEIXEIRA, Cláudia A.R.  A Educação Patrimonial no Ensino de História. Revista Biblos, Rio Grande, 22 (1): 199-211, 2008.
OLIVEIRA, G.A.; SCHNORR, Denise M. Memória e patrimônio religioso: a importância da preservação de materiais religiosos dos Sécs. XIX e XX como história eclesiástica do sul do Brasil. In: VIANNA, Marcelo et al. (Orgs.) Ofícios de Clio: experiências de memória e patrimônio [recurso eletrônico] / Marcelo Vianna et al. (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2020.
JOÃO PAULO II, Papa. Constituição Apostólica Pastor Bonus: sobre a cúria romana. Roma: Vatican, VA, 1988. Disponível em: <https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_constitutions/documents/hf_jp-ii_apc_19880628_pastor-bonus.html>