quinta-feira, 6 de setembro de 2018

História da Igreja: 55 anos da aprovação da Constituição sobre a Sagrada Liturgia “Sacrosanctum Concilium”


 João XXIII na abertura do Concílio. https://bit.ly/2NlazOS
Após 417 anos do início do Concílio de Trento, a Igreja Católica Apostólica Romana, na Pessoa de João XXIII, convoca um novo momento para a vida do catolicismo, o Concílio Ecumênico Vaticano II. Tal Concílio, segundo o próprio Papa, teria como finalidade principal “que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz” (JOÃO XXIII, 1962).

Neste concílio, convocado no ano de 1961, diversos temas dos mais variados assuntos, ligados a vida da Igreja, foram tratados. Destes debates surgiram os documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São eles: Quatro constituições (Dei Verbum, Lumen Gentium, Sacrosanctum Concilium e Gaudium et Spes.), três declarações (Gravissimum Educationis, Nostra Aetate e Dignitatis Humanae.) e por fim os nove decretos (Ad Gentes, Presbyterorum Ordinis, Apostolicam Actuositatem, Optatam Totius, Perfectae Caritatis, Christus Dominus, Unitatis Redintegratio, Orientalium Ecclesiarum e Inter Mirifica.).

Um dos principais, se não o principal, documento do Concílio Vaticano II foi a constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia. Esta constituição trouxe um rompimento histórico na vida da Igreja, através de sua vivencia litúrgica e da percepção do protagonismo leigo. No dia 4 de dezembro de 1963, em sua terceira sessão pública, o Concílio Ecumênico Vaticano II aprovou a Constituição sobre a sagrada Liturgia. Tal constituição inicia com a seguinte colocação:

O Sagrado Concílio assumiu o propósito de fomentar cada vez mais a vida cristã entre os fiéis, adaptar melhor às necessidades do nosso tempo as instituições susceptíveis de mudança, promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo, e fortalecer o que contribui para chamar a todos ao seio da Igreja. Julga, por isso, dever também interessar-se de modo particular pela reforma e promoção da Liturgia. (CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. 1962).

Capa da Constituição sobre a Sagrada Liturgia.
Editora Vozes. https://bit.ly/2oKxHZh
Esta constituição tinha por objetivo reformar a liturgia da Igreja para a maior e melhor participação dos fieis nos novos tempos que se apresentavam, como dito no próprio documento “A santa mãe Igreja, para permitir ao povo cristão um acesso mais seguro à abundância de graça que a Liturgia contém, deseja fazer uma acurada reforma geral da mesma Liturgia.” (CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. 1962)

Esta reforma, realmente, modificou a vivência litúrgica do povo católico. Antes do Vaticano II tínhamos uma missa seleta, mística (no sentido de mistério), onde o povo se quer conhecia a língua que se empregava naqueles rituais. Havia uma Igreja pomposa, ornada nos detalhes, vivendo a proposta da contrarreforma (movimento católico iniciado em meados do século XVI) obtida no concílio de Trento, como forma de demonstrar a soberania da única Igreja de Cristo e, assim, combater o luteranismo.

A Missa antiga, ou a Missa Tridentina era e é (pois a mesma ainda é celebrada licitamente) uma missa padronizada, sem lugar para improvisos ou acrescentamentos do celebrante e do povo. Seus rituais eram rígidos, compostos de diversas rubricas que guiavam estreitamente o sacerdote por onde ele deveria caminhar. Podemos dizer que tínhamos, antes do Concílio Vaticano II, duas liturgias paralelas, a liturgia do sacerdote e seus assistentes que se realizava sobre o altar, seguindo os passos do missal romano, e a liturgia do povo que se realizava através de sua devoção popular seguindo seus livros devocionais e sua fé pessoal (BENTO XVI, 2013).

Altar Mor, Memória Sacra na Unisinos.
Créditos I.A.P.
Com a reforma liturgica buscou-se um diálogo entre o sagrado, representado na pessoa do sacerdote, e o povo. Fazendo com que a liturgia do altar e a liturgia do povo se tornassem uma só liturgia. Para isso acontecer se fez necessária a mudança de alguns aspectos primordiais na liturgia. Foram eles:

1º - A mudança da língua utilizada nos ritos: A língua Latina antes utilizada como padrão universal na liturgia, não deixa de ser a língua litúrgica oficial, porém, com a reforma, ela pode ser substituída pela língua vernácula. Tal reforma linguística interferiu nos rituais e livros litúrgicos fazendo com que todos os livros fossem traduzidos para as mais diversas línguas.

2º - A orientação do Sacerdote voltado ao povo: Após a reforma litúrgica o Presidente da celebração deixa de celebrar “ad Orientem” e passa a presidir a Eucaristia “versus Populi”. Esta alteração muda não só a maneira da celebração, mas acaba mudando a disposição e utilização do espaço Sagrado, fazendo com que caísse em desuso o Altar Mor (Figura 3).

3º - A participação direta do povo na liturgia: Uma grande mudança ocorre com a reforma, o povo passa a ter um lugar na celebração com a utilização de diálogos entre povo e sacerdote, além de comentários, preces e a possibilidade de fiéis serem admitidos como ministros extraordinários da comunhão eucarística.

Frente de casula romana do acervo I.A.P.
Créditos: Beatriz Sallet, Juarez de Andrade e
demais alunos do curso de Fotografia da Unisinos.
Dentro desta abertura a participação dos fiéis é de se ressaltar, também, a abertura ao novo canto litúrgico, que passa a ter uma linguagem mais popular com a tentativa de inculturar a celebração e torná-la mais próxima da realidade do povo que a vive, por mais que o documento instrua a manter o canto gregoriano como forma oficial e principal de expressão musical na liturgia.

Diversas outras coisas mudaram através desta reforma litúrgica. Muitos há criticam, pois, após a reforma, a Igreja passou por um período de “improvisação” na liturgia, outros a cumprem e a enxergam através de um olhar de continuidade da tradição, algo muito falado durante o pontificado do Papa Emérito Bento XVI (o alemão Joseph Ratzinger), que seguidamente se referia a liturgia a partir de um olhar por ele chamado de “Hermenêutica da continuidade”. O importante é não esquecermos que a história da Igreja não se fez ontem, não se faz apenas do hoje e não se fará somente no amanhã. A tradição deve e merece ser relembrada e ensinada as novas gerações.
           
Costas de Casula romana do acervo I.A.P.
Créditos: Beatriz Sallet, Juarez de Andrade e
 demais alunos do curso de Fotografia da Unisinos.
Esse papel de recordação e de memória de uma fé e tradição de todo um povo em um grande período de tempo, é cumprido pelo espaço de Memória Sacra na Unisinos. Este espaço de memória conta, de maneira visível e física, a história pré-conciliar e pré-reforma litúrgica da Igreja, através da exposição de diversos materiais sacros e litúrgicos que eram utilizados em casas jesuíticas do Sul do Brasil no período pré-conciliar.

Nestes 55 anos da constituição sobre a liturgia, comemoramos não somente a reforma litúrgica, mas também a tradição que não deve ser esquecida, mas conhecida e ensinada como parte da vivencia da espiritualidade de um povo e de um tempo, de suma importância na vida não só da Igreja, mas da sociedade que teve em seu alicerce uma grande influência da Igreja e da tradição cristã na formação das bases da civilização ocidental.

O espaço de Memória Sacra na Unisinos se encontra aberto à visitação durante o período letivo, semanalmente nas quintas-feiras, das 14:00  às 17:00 horas. Demais horários podem ser agendados entrando em contato com o Instituto Anchietano de Pesquisas, pelo e-mail anchietano@unisinos.br ou pelo telefone (51) 3590-8409.

Texto: Gabriel Azevedo de Oliveira

Foto Panorâmica do espaço de Memória Sacra na Unisinos. Acervo I.A.P.
(Clique na imagem para ampliá-la)
Foto Panorâmica do espaço de Memória Sacra na Unisinos. Acervo I.A.P.
(Clique na imagem para ampliá-la)

Bibliografia

CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. Constituição do Concílio Vaticano II sobre a Sagrada Liturgia. 1963. Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19631204_sacrosanctum-concilium_po.html>. Acesso em: 27 ago. 2018.

JOÃO XXIII, Papa. Discurso de sua Santidade Papa João XXIII na abertura solene do SS. Concílio. 1962. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/john-xxiii/pt/speeches/1962/documents/hf_j-xxiii_spe_19621011_opening-council.html>. Acesso em: 27 ago. 2018.

BENTO XVI, Papa. O concílio Vaticano II, tal como eu o vi. Discurso ao clero de Roma. 2013. (49 min 29 seg). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=903c5JziUhY> Acesso em: 31 ago. 2018.

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