João XXIII na abertura do Concílio. https://bit.ly/2NlazOS |
Após 417 anos do
início do Concílio de Trento, a Igreja Católica Apostólica Romana, na Pessoa de
João XXIII, convoca um novo momento para a vida do catolicismo, o Concílio
Ecumênico Vaticano II. Tal Concílio, segundo o próprio Papa, teria como
finalidade principal “que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e
ensinado de forma mais eficaz” (JOÃO XXIII, 1962).
Neste concílio,
convocado no ano de 1961, diversos temas dos mais variados assuntos, ligados a
vida da Igreja, foram tratados. Destes debates surgiram os documentos do
Concílio Ecumênico Vaticano II. São eles: Quatro constituições (Dei Verbum,
Lumen Gentium, Sacrosanctum Concilium e Gaudium et Spes.), três declarações
(Gravissimum Educationis, Nostra Aetate e Dignitatis Humanae.) e por fim os
nove decretos (Ad Gentes, Presbyterorum Ordinis, Apostolicam Actuositatem,
Optatam Totius, Perfectae Caritatis, Christus Dominus, Unitatis Redintegratio,
Orientalium Ecclesiarum e Inter Mirifica.).
Um dos principais,
se não o principal, documento do Concílio Vaticano II foi a constituição
Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia. Esta constituição trouxe um
rompimento histórico na vida da Igreja, através de sua vivencia litúrgica e da
percepção do protagonismo leigo. No dia 4 de dezembro de 1963, em sua terceira
sessão pública, o Concílio Ecumênico Vaticano II aprovou a Constituição sobre a
sagrada Liturgia. Tal constituição inicia com a seguinte colocação:
O Sagrado Concílio
assumiu o propósito de fomentar cada vez mais a vida cristã entre os fiéis,
adaptar melhor às necessidades do nosso tempo as instituições susceptíveis de
mudança, promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo,
e fortalecer o que contribui para chamar a todos ao seio da Igreja. Julga, por
isso, dever também interessar-se de modo particular pela reforma e promoção da
Liturgia. (CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. 1962).
Capa da Constituição sobre a Sagrada Liturgia. Editora Vozes. https://bit.ly/2oKxHZh |
Esta constituição
tinha por objetivo reformar a liturgia da Igreja para a maior e melhor
participação dos fieis nos novos tempos que se apresentavam, como dito no
próprio documento “A santa mãe Igreja, para permitir ao povo cristão um acesso
mais seguro à abundância de graça que a Liturgia contém, deseja fazer uma
acurada reforma geral da mesma Liturgia.” (CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum
Concilium. 1962)
Esta reforma,
realmente, modificou a vivência litúrgica do povo católico. Antes do Vaticano
II tínhamos uma missa seleta, mística (no sentido de mistério), onde o povo se
quer conhecia a língua que se empregava naqueles rituais. Havia uma Igreja
pomposa, ornada nos detalhes, vivendo a proposta da contrarreforma (movimento
católico iniciado em meados do século XVI) obtida no concílio de Trento, como
forma de demonstrar a soberania da única Igreja de Cristo e, assim, combater o
luteranismo.
A Missa antiga, ou
a Missa Tridentina era e é (pois a mesma ainda é celebrada licitamente) uma
missa padronizada, sem lugar para improvisos ou acrescentamentos do celebrante
e do povo. Seus rituais eram rígidos, compostos de diversas rubricas que
guiavam estreitamente o sacerdote por onde ele deveria caminhar. Podemos dizer
que tínhamos, antes do Concílio Vaticano II, duas liturgias paralelas, a
liturgia do sacerdote e seus assistentes que se realizava sobre o altar,
seguindo os passos do missal romano, e a liturgia do povo que se realizava
através de sua devoção popular seguindo seus livros devocionais e sua fé
pessoal (BENTO XVI, 2013).
Altar
Mor, Memória Sacra na Unisinos.
Créditos
I.A.P.
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Com a reforma
liturgica buscou-se um diálogo entre o sagrado, representado na pessoa do
sacerdote, e o povo. Fazendo com que a liturgia do altar e a liturgia do povo
se tornassem uma só liturgia. Para isso acontecer se fez necessária a mudança
de alguns aspectos primordiais na liturgia. Foram eles:
1º - A mudança da
língua utilizada nos ritos: A língua Latina antes utilizada como padrão
universal na liturgia, não deixa de ser a língua litúrgica oficial, porém, com
a reforma, ela pode ser substituída pela língua vernácula. Tal reforma
linguística interferiu nos rituais e livros litúrgicos fazendo com que todos os
livros fossem traduzidos para as mais diversas línguas.
2º - A orientação do
Sacerdote voltado ao povo: Após a reforma litúrgica o Presidente da celebração
deixa de celebrar “ad Orientem” e passa a presidir a Eucaristia “versus
Populi”. Esta alteração muda não só a maneira da celebração, mas acaba mudando
a disposição e utilização do espaço Sagrado, fazendo com que caísse em desuso o
Altar Mor (Figura 3).
3º - A participação
direta do povo na liturgia: Uma grande mudança ocorre com a reforma, o povo
passa a ter um lugar na celebração com a utilização de diálogos entre povo e
sacerdote, além de comentários, preces e a possibilidade de fiéis serem
admitidos como ministros extraordinários da comunhão eucarística.
Frente de casula romana do acervo I.A.P. Créditos: Beatriz Sallet, Juarez de Andrade e demais alunos do curso de Fotografia da Unisinos. |
Dentro desta
abertura a participação dos fiéis é de se ressaltar, também, a abertura ao novo
canto litúrgico, que passa a ter uma linguagem mais popular com a tentativa de
inculturar a celebração e torná-la mais próxima da realidade do povo que a
vive, por mais que o documento instrua a manter o canto gregoriano como forma
oficial e principal de expressão musical na liturgia.
Diversas outras
coisas mudaram através desta reforma litúrgica. Muitos há criticam, pois, após
a reforma, a Igreja passou por um período de “improvisação” na liturgia, outros
a cumprem e a enxergam através de um olhar de continuidade da tradição, algo muito
falado durante o pontificado do Papa Emérito Bento XVI (o alemão Joseph
Ratzinger), que seguidamente se referia a liturgia a partir de um olhar por ele
chamado de “Hermenêutica da continuidade”. O importante é não esquecermos que a
história da Igreja não se fez ontem, não se faz apenas do hoje e não se fará
somente no amanhã. A tradição deve e merece ser relembrada e ensinada as novas
gerações.
Costas de Casula romana do acervo I.A.P. Créditos: Beatriz Sallet, Juarez de Andrade e demais alunos do curso de Fotografia da Unisinos. |
Esse papel de
recordação e de memória de uma fé e tradição de todo um povo em um grande
período de tempo, é cumprido pelo espaço de Memória Sacra na Unisinos. Este
espaço de memória conta, de maneira visível e física, a história pré-conciliar
e pré-reforma litúrgica da Igreja, através da exposição de diversos materiais
sacros e litúrgicos que eram utilizados em casas jesuíticas do Sul do Brasil no
período pré-conciliar.
Nestes 55 anos da
constituição sobre a liturgia, comemoramos não somente a reforma litúrgica, mas
também a tradição que não deve ser esquecida, mas conhecida e ensinada como
parte da vivencia da espiritualidade de um povo e de um tempo, de suma
importância na vida não só da Igreja, mas da sociedade que teve em seu alicerce
uma grande influência da Igreja e da tradição cristã na formação das bases da
civilização ocidental.
O espaço de
Memória Sacra na Unisinos se encontra aberto à visitação durante o período
letivo, semanalmente nas quintas-feiras, das 14:00 às 17:00 horas. Demais horários podem ser
agendados entrando em contato com o Instituto Anchietano de Pesquisas, pelo
e-mail anchietano@unisinos.br ou pelo telefone (51) 3590-8409.
Texto: Gabriel Azevedo de
Oliveira
Foto Panorâmica do espaço de Memória Sacra na Unisinos. Acervo I.A.P. (Clique na imagem para ampliá-la) |
Foto Panorâmica do espaço de Memória Sacra na Unisinos. Acervo I.A.P. (Clique na imagem para ampliá-la) |
Bibliografia
CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. Constituição do Concílio Vaticano II sobre a Sagrada Liturgia. 1963. Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19631204_sacrosanctum-concilium_po.html>. Acesso em: 27 ago. 2018.
JOÃO XXIII, Papa. Discurso de sua Santidade Papa João XXIII na abertura solene do SS.
Concílio. 1962. Disponível em:
<http://w2.vatican.va/content/john-xxiii/pt/speeches/1962/documents/hf_j-xxiii_spe_19621011_opening-council.html>.
Acesso em: 27 ago. 2018.
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