Pedro
Ignácio Schmitz, Jairo Henrique Rogge,
Jefferson Aldemir Nunes, Ranieri Hirsch Rathke
O texto completo está on-line em
Pesquisas, Antropologia 74, 2019, 195 páginas. A foto é de Denise Maria
Schnorr, 1997. Aqui apresentamos pequena síntese.
A publicação
oferece uma visão geral do antigo povoamento guarani no vale do rio dos Sinos,
utilizando coleções e os correspondentes documentos, de levantamentos arqueológicos
realizados nas décadas de 1960 e 1970. Os sítios arqueológicos foram colocados em
seu contexto geográfico e iluminados com relatos de missionários jesuítas que
estiveram entre os índios Carijó-Guarani, do Sudeste do Brasil nas primeiras
décadas do século XVII. Imagens da
aldeia Mbyá-guarani de Riozinho, no alto vale do rio dos Sinos, como a do
título, dão visibilidade às descrições arqueológicas e missionárias.
As coleções e
respectivos documentos, conservadas nos museus, correspondem, aproximadamente,
a setenta sítios arqueológicos. Eurico Th. Miller, em 1967 publicou um relatório
sobre as primeiras explorações então realizadas. Posteriormente, em 2003,
Adriana Schmidt Dias elaborou sua tese de doutorado sobre o povoamento do alto
vale, a partir de novo levantamento, e Jefferson Z. Dias, em 2015, voltou aos
sítios de Miller para sua tese sobre o povoamento do vale do rio Paranhana,
principal afluente do rio dos Sinos.
Para a presente
pesquisa estavam disponíveis boas coleções. No Museu Arqueológico do Rio Grande
do Sul (MARSUL), em Taquara, estavam guardadas grandes coleções das décadas de
1960 e 1970, acompanhadas de minuciosa documentação, feitas por Eurico Th.
Miller, que percorreu todo o vale; em menor proporção por Pedro Augusto Mentz
Ribeiro, Plínio Dall’Agnol e Guilherme Naue (Ir. Valeriano), que estudaram a
margem direita do vale médio. No Instituto Anchietano de Pesquisas/Unisinos
(IAP) estavam coleções feitas, no mesmo período, em ambas as margens do vale
médio por Pedro Ignácio Schmitz e companheiros.
O trabalho
examinou coleções de 51 sítios de todo o vale, incluindo alguns vistos nas
teses mencionadas. Algumas coleções, cujos dados constam no catálogo, não foram
encontradas, fazendo mais falta, especialmente as de 15 sítios estudados por
Miller no rio Rolante e vizinhanças.
As coleções e
as anotações que as acompanham são significativas por serem as sobrevivências
dos antigos assentamentos indígenas, que desapareceram sob o arado de ocupantes
posteriores. Os últimos pesquisadores já encontraram poucos vestígios dessas
antigas ocupações.
O primeiro
levantamento dos sítios Tupiguarani foi realizado sob o enfoque
histórico-cultural, trazido pelo PRONAPA (Programa Nacional de Pesquisas
Arqueológicas), coordenado pelos arqueólogos americanos Clifford Evans e Betty
J. Meggers (1965-1970). O programa propunha rápida cobertura de grandes
extensões do território brasileiro, usando como referência geográfica as bacias
hidrográficas. No presente caso, a do rio dos Sinos.
Os sítios
eram identificados com uma sigla, na qual constava: Estado (RS), vale do rio
(nesse caso, S) e o número sequencial do sítio levantado (p.ex. 272). A
documentação dos sítios compunha-se de fichas descritivas do sítio com sua
correspondente numeração, além de croquis, fotos e mapas. Nesse tempo não havia
GPS e a máxima precisão alcançada era a dos Mapas do Exército, que também não
eram de fácil aquisição. Abaixo, croqui do sítio RS-S-272, Morretes, no baixo
vale do rio; para localização ver mapa acima.
O material
recolhido não era tratado por unidade de objeto, mas como amostra de conjunto
(de superfície, de quadrícula, ou de nível de escavação). Ele era recolhido
sistematicamente, na superfície total do sítio, por superfícies delimitadas, por
quadrícula, ou nível, evitando qualquer preferência ou seleção por tamanho, cor
ou decoração.
Em
laboratório, o material era lavado em água corrente e recebia um número de
acervo por amostra, não por unidade de objeto. Por exemplo Catálogo MARSUL 442 corresponde a todo o material recolhido na superfície
do sítio RS-S-272. A amostra assim numerada, com
tinta nanquim, era guardada em saco plástico e acomodada em caixa plástica, ou
de papelão.
A cerâmica da
coleta era analisada para criar tipos à maneira das Ciências Naturais; em sua
formação o antiplástico formava o gênero e o acabamento da superfície a espécie
do tipo. As bordas eram desenhadas e produziam modelos de formas de vasilhame.
Algumas
reconstituições de formas de Corrugado do mesmo sítio.
Havia maior
cuidado com a documentação gráfica dos recipientes pintados, como ilustra a
imagem seguinte.
Com os tipos
assim formados se criavam séries, baseadas na semelhança tipológica, posição
estratigráfica e datação radiocarbônica. Séries parecidas por seus tipos se
constituíam em fases e o agrupamento destas, também por semelhança, em
tradições. Miller atribuiu a cerâmica do vale à tradição Tupiguarani,
subtradição Corrugada e, dentro dela, criou duas fases: a Maquiné, mais antiga e
a Paranhana, mais nova.
Os
componentes das séries, ou fases, quando colocadas no espaço, poderiam mostrar
a distribuição, a sequência cronológica e a movimentação dos assentamentos
representados nas amostras.
O texto publicado
abrange os sítios levantados no vale com exclusão parcial daqueles usados nas
mencionadas teses. Há também certa quantidade de coletas, que constam no
catálogo, mas não foram encontradas no acervo. E se apresenta da seguinte
maneira: primeiro há uma descrição do vale. Segue o estudo individual dos
sítios, agrupados por áreas ao longo do rio. E fecha com uma síntese das
informações conseguidas, as quais reproduzimos a seguir.
O rio dos
Sinos orientou a ocupação indígena do vale. Os assentamentos, sob a forma de
pequenas aldeias, encontravam-se distribuídos ao longo do curso, ocupando as
primeiras elevações do terreno. Estas se encontravam na proximidade da água de
arroios ou nascentes; raramente junto ao rio porque este é margeado por
banhados com vegetação intrincada. Onde os banhados são mais expandidos, como
na margem esquerda do baixo curso, não se localizaram assentamentos.
A implantação
da aldeia se fazia de tal maneira que as famílias pudessem alcançar variados
ambientes em suas atividades diárias. A distância entre os assentamentos era
adequada para não esgotar o ambiente e evitar conflitos.
Os
assentamentos se mostravam ao pesquisador como uma, duas ou três pequenas
manchas escurecidas, com fragmentos cerâmicos concentrados, que eram
circundadas por um espaço maior, menos escuro, no qual os restos eram mais dispersos.
Não havia forma específica para a disposição dessas manchas.
A cerâmica
das aldeias reproduz o padrão Tupiguarani, subtradição Corrugada, ou Guarani,
na pasta, na técnica de produção, no acabamento da superfície, na forma e no
uso inferido.
Através das
características da cerâmica buscamos agrupar os sítios, mas não formamos fases.
Agrupando-os pelo antiplástico alcançamos três conjuntos. O primeiro, que usa
caco moído, desdobra-se na parte baixa e média da planície do rio, podendo
representar a conquista do vale. O segundo, que usa areia fina e média,
proveniente do arenito Botucatu, ocupa lombas e colinas mais afastadas do rio,
no médio e alto vale e pode representar a expansão e consolidação do
povoamento. O terceiro, que usa areão composto por grãos de hematita e
fragmentos angulosos de quartzo e feldspato, provenientes da decomposição do
basalto, está mais próximo da encosta do planalto basáltico; este era dominado
pelo povo da tradição Taquara, com o qual as aldeias mantêm contato. Este
terceiro conjunto pode representar um recuo para o interior escapando da
escravidão e da missão religiosa.
A utilização
do acabamento de superfície para agrupar os sítios foi menos eficiente, mas
acompanha o exercício anterior.
A espessura
das camadas arqueológicas nos assentamentos mostra que as casas tinham alguma
estabilidade; a pouca variedade de artefatos, mostra um modo de vida simples,
de pequenos chacareiros em meio à floresta.
O povoamento
é considerado recente, entre o século XV e o começo do XVII.
Em tempos históricos a região era ocupada
pelos índios Carijó, da família linguística Tupi-Guarani, a cujos antepassados
e contemporâneos os sítios podem ser facilmente atribuídos. A analogia direta
com o modo de vida destes serve para iluminar os dados arqueológicos referentes
à casa, à aldeia, à cerâmica, à subsistência e à organização da sociedade. No
fim do século XX um grupo Mbya-guarani voltou ao vale criando aldeia de poucas
casas, cujas imagens ajudam a cobrir de carne e osso ao esqueleto produzido
pelos arqueólogos.
O término da
ocupação guarani, no começo do século XVII, foi traumático, produzido por
doenças trazidas pelo colonizador e pela transferência forçada dos moradores
para São Paulo e Rio de Janeiro por ação escravista e missionária. Se,
posteriormente, aparecem indígenas falando guarani, eles são estrangeiros para
os ocupantes descritos neste trabalho.
Texto: Pedro Ignácio Schmitz, Jairo Henrique Rogge,
Jeferson Aldemir Nunes, Ranieri Hirsch Rathke.
Imagens: Denise Schnorr e Acervo do Instituto Anchietano de Pesquisas
Referências
bibliográficas:
DIAS, A.S.
2003. Sistemas de assentamento e estilo
tecnológico: uma proposta interpretativa para a ocupação pré-colonial do alto
vale do rio dos Sinos, Rio Grande do Sul. (Tese de Doutorado). São Paulo:
MAE/USP.
DIAS, J.L.Z.
2015. A ocupação pelos grupos ceramistas
das tradições Taquara e Tupiguarani do médio vale do rio dos Sinos e do vale do
rio Paranhana. (Tese de Doutorado). São Leopoldo: UNISINOS.
EVANS, C.;
MEGGERS, B.J. 1965. Guia para a
prospecção arqueológica no Brasil. Belém, Museu Goeldi.
MILLER, E.Th.
1967. Pesquisas arqueológicas no Nordeste do Rio Grande do Sul. Publ. Av. M. Pa. Emílio Goeldi 6: 15-38.
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