sexta-feira, 2 de outubro de 2020

JAIRO ROGGE...ARQUEÓLOGO

 Meu nome é Jairo...o Henrique foi herdado de meu avô paterno e o sobrenome Rogge remete a minha descendência alemã, embora nunca tenha aprendido a falar o idioma, nem tampouco algum dialeto teuto-riograndense. Nasci em Taquara, RS, no ano emblemático de 1964, filho de pai funcionário público e mãe professora.

Vivi e cresci naquela cidade até 20 anos de idade, terminando o Segundo Grau (hoje, Ensino Médio) na Escola Técnica Monteiro Lobato - CIMOL, após 4 anos e meio cursando Eletrotécnica. No entanto, não era esse o caminho – de resistores, capacitores e os ainda pouco conhecidos circuitos integrados - que me aguardava. Muito antes, na minha pré-adolescência, ao ganhar de presente a famosa coleção Prisma, da Editora Melhoramentos, fui seduzido por assuntos que giravam em torno do conhecimento sobre o passado. Entre os diversos livros e diferentes assuntos que compunham essa coleção, foi o de Arqueologia, de Francis Celoria, que devorei em pouco tempo, lendo-o e relendo-o sem cessar. Com a adolescência, os livrinhos da Prisma acabaram ficando para trás, frente à novas prioridades da vida que se anunciavam. No entanto, dentre os livros daquela coleção, esse é o único que ainda tenho, já com páginas amareladas, capa amassada, algumas folhas soltas, mas que continua impávido em uma das prateleiras de minha biblioteca. De fato, olho para ele com carinho e certa nostalgia enquanto escrevo este texto.


Capa do livro “Arqueologia”, de Francis Celoria.

Editora Melhoramentos, Série Prisma.

 

A semente, mesmo sem eu ainda saber, havia sido plantada. Mas o impulso fundamental que me fez iniciar, de fato, a jornada pelo mundo da arqueologia, ocorreu ainda no último ano de escola técnica, em 1983, quando estava fazendo meu estágio final. Com boa parte do tempo livre e desejando ocupá-lo com atividades mais edificantes, reencontrei numa tarde André Luiz Jacobus, que então era funcionário estadual cedido ao Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul (MARSUL) e atuava na coordenação técnica dessa instituição pública. Já conhecia André Jacobus há bastante tempo pois, além de morarmos na mesma vizinhança, ele também havia sido auxiliar na biblioteca do Colégio Santa Terezinha, o conhecido “colégio das freiras”. Ao reencontrá-lo, me falou da necessidade de auxílio na organização do acervo do Museu, perguntando se eu teria interesse em ajudar. Na semana seguinte, estava lá e não...não havia salário ou nenhuma forma de pagamento. Passei o final desse ano e o ano de 1984 intercalando pequenos “bicos” na área de eletrotécnica, só para ganhar uns trocados, com as atividades de limpeza, organização e catalogação do acervo do Museu. Também nessa época tive minhas primeiras participações em eventos de arqueologia (como os “simpósios de arqueologia sul-riograndense”), onde passei a conhecer um pouco mais não só sobre as diferentes temáticas arqueológicas, mas também seu ainda pequeno, mas curioso grupo de participantes. Em fins de 1984, era a hora de pensar em uma formação universitária...e as opções se voltaram para História e Geologia. Acabei escolhendo essa última!

O ano de 1985 chegou com o ingresso na Unisinos, no curso de Geologia e a mudança para São Leopoldo. Mas, um pouco antes disso, em uma conversa com André no Museu, ele me falou de escavações arqueológicas que um certo Instituto Anchietano de Pesquisas iria realizar em Ivoti. A pergunta foi: tem interesse em participar? Se sim, posso conversar com o Pe. Ignácio e ver se ele deixa! Naquele momento, só havia visto uma ou duas vezes o Pe. Pedro Ignácio Schmitz mas, é claro, ouvido e lido muito sobre ele e suas pesquisas. É claro que eu tinha interesse. Assim, em janeiro de 1985 me vi, por duas semanas, auxiliando a equipe do IAP na escavação de um abrigo sob rocha na então localidade de Picada Capivara, Ivoti (hoje município de Lindolfo Collor). Minha primeira escavação arqueológica: e a primeira vez a gente nunca esquece! Foi aí, de fato, que a decisão em ser arqueólogo foi tomada.

 

Escavações em abrigo sob rocha, Picada Capivara, Ivoti, 1985. Foto. P. I. Schmitz


A partir da entrada no curso de Geologia e dessa primeira experiência em uma escavação arqueológica, teve início um longa trajetória no IAP e na Unisinos, a partir daquele mesmo ano, 1985 até os dias de hoje, inicialmente como bolsista de IC, depois como funcionário (1992) e como professor do curso de licenciatura em História (1996) e do Programa de Pós-graduação em História (2010). Nesse meio tempo, concluí o curso de Geologia (1991), o mestrado (1995) e o doutorado (2004), sempre nessa casa.

Uma vez dentro do IAP, foram muitas as participações em projetos de pesquisa, tanto em campo como em laboratório. Escrever sobre cada um deles e tudo que me proporcionaram em termos de conhecimento e vivência seria tarefa árdua e demandaria algumas centenas de páginas: Corumbá, Içara, Quintão, Vacaria, São Marcos, Arroio do Sal, Taió, São José do Cerrito, Estâncias Missioneiras...são alguns deles. E todos, sem exceção, deixaram suas marcas. Entre esses e outros tantos, me deterei um pouco no Projeto Corumbá e, com isso não quero absolutamente diminuir a importância dos demais...mas ele foi, sim, um divisor de águas em minha trajetória.

O Projeto Corumbá foi desenvolvido entre os anos de 1990 e 2001, tendo como sede a cidade que lhe emprestou o nome, no coração do pantanal do Mato Grosso do Sul, esse mesmo que hoje arde em chamas. Durante todos esse anos, com uma pequena interrupção entre 1999 e 2000, a equipe do IAP se deslocava, durante o mês de julho, para aquela região e, juntamente com uma equipe ligada a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (liderada por José Peixoto, que também foi bolsista do IAP), realizava pesquisas de campo em um vasto entorno, nas área alagadiças do pantanal propriamente dito, nas morrarias, nas lagoas.

Não participei dos dois primeiros anos do projeto, mas a partir de 1992 até 2001, uma grande área foi pesquisada, muitos sítios escavados e uma quantidade enorme de informações foram geradas sobre a pré-história local e regional.  As pesquisas permitiram identificar, pela primeira vez, uma ocupação multicomponencial na área do pantanal, por grupos caçadores e coletores, grupos ceramistas e populações indígenas históricas, com uma abrangência temporal que se inicia há 8.000 anos atrás e vem até nossos dias. 

No entanto, além do êxito do projeto em produzir um conhecimento até então praticamente inédito, a isso se juntou a possibilidade de conhecer um Brasil mais profundo, com seus problemas mas também com suas facetas multiculturais, suas gentes e suas belezas naturais. As andanças pelo pantanal, pelas morrarias, pelos rios e lagoas (e mesmo seus perigos) da região tornaram essa experiência extremamente rica, em termos de conhecimento arqueológico, de percepção de mundo e de cidadania!

 

Escavação de um sítio arqueológico às margens do Rio Verde, localidade de Albuquerque, Corumbá, MS. Foto: P. I. Schmitz

 


 

Escavando um sepultamento em um aterro, Fazenda Sagrado Coração, Corumbá, MS. Foto: P. I. Schmitz



 

Petroglifo, Fazenda Moutinho, Corumbá, MS. Foto: P. I. Schmitz

 

Escrever sobre toda a riqueza de experiências ao longo desses anos, tanto nas atividades voltadas à pesquisa quanto na docência, é tarefa difícil. Da mesma forma, nomear cada pessoa, cada colega com quem tive contato durante esses anos de IAP, seria quase impossível, pois essa instituição foi passagem e celeiro de muitos(as) arqueólogos(as) que hoje atuam em diversas áreas do país. Por isso, nomeio aqui parceiros(as) de longa data nessa jornada, Marcus Vinícius Beber, Suliano Ferrasso, Salete Marchioretto, Denise Schnorr, Ivone Verardi e Jandir Damo, sem esquecer os(as) bolsistas Gabriel Oliveira, Luan Garcia, Ranieri Rathke, Jefferson Nunes, Márcio Mattos, Natália Mergen, Fabiane Rizzardo e Rafaela Nogueira, mas ao mesmo tempo lembro e reverencio a todos(as) com quem a compartilhei, em algum momento ao longo desses anos. 

Por fim, ao contar um pouco de minha trajetória, tento também fazer uma singela homenagem aos que me mostraram e ainda mostram o caminho: André Luiz Jacobus (in memoriam) e Pe. Pedro Ignácio Schmitz, mestre, a quem devo tanto!


Texto e Imagens: Dr. Prof. Jairo Henrique Rogge

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