sexta-feira, 28 de setembro de 2018

A ESTÂNCIA MISSIONEIRA DE SÃO JOSÉ (Queimada) - Parte 1


O espaço do manejo

Em 1701 foi criada, mais para o Sul, na região do rio Quaraí, a Estância São José, que absorveu a Estância Santiago. No mesmo ano da fundação, os índios Yaros (Minuanos) destruíram a estância, queimaram sua igreja e mataram dezenas de guaranis missioneiros, que ali haviam chegado numa vistoria do terreno. O gado se dispersou. Hoje o local se chama Queimada, ou Estância da Queimada.

Em 1702 a estância foi refundada, novamente na margem direita do rio Quaraí. Ela tinha como limite a Norte o Rio Ibicui, a Oeste o rio Uruguai, a Sul o rio Queguai, a leste os rios Ibirapuitã e Tacuarembó. A superfície total da estância alcançaria mais de 3 milhões de hectares.

Suas construções se constituem, como na Estância Santiago, do espaço de criação, composto pelas ruínas de uma casa, três currais e dois potreiros, e do espaço de moradia dos administradores, composto por três casas. Estas construções são mais sólidas e conservadas que as da estância Santiago.

Apresentamos primeiro o espaço de manejo dos animais.


Imagem 1 - As estruturas da área de criação vistas
do espaço, no Google Earth.
Imagem 2 - A leitura das construções.
Imagem 3 - Os cactos crescem sobre as ruínas da casa
em que moravam os estancieiros.
Imagem 4 - As fundações da casa, em pedras trabalhadas.
As paredes eram de adobe e a cobertura de palha.
Imagem 5 - Planta da casa, onde moravam os estancieiros.
Imagem 6 - O muro que fechava o grande curral circular, com largas
paredes de mais de dois metros de altura e acabamento a fio de prumo.
Imagem 7 - Vista dos currais retangulares.

Na próxima postagem mostramos as construções que se supõe sejam as casas da administração da fazenda, que distam três quilômetros e estão à beira de antiga estrada.

sábado, 22 de setembro de 2018

A ESTÂNCIA MISSIONEIRA DA REDUÇÃO DE YAPEYU

Esta postagem homenageia a José Afonso de Vargas, que começou a pesquisa sobre a estância jesuítica de Yapeyu e continua participando de sua pesquisa.

1. A Estância Santiago

A postagem de hoje é sobre o projeto ‘A Estância Missioneira da Redução de Yapeyu’, começado por José Afonso de Vargas na sua dissertação de mestrado na UNISINOS (A estância de Yapeyu, 2015), projeto que é continuado pela equipe de arqueologia do Instituto Anchietano de Pesquisas: José Afonso de Vargas, Jairo Henrique Rogge, Marcus Vinicius Beber, Suliano Ferrasso e Ana Meira, do PPG de Arquitetura da UNISINOS. A pesquisa bibliográfica é de Pedro Ignácio Schmitz. As ilustrações, quando não indicado de outra forma, são da equipe.

O projeto tem uma parte bibliográfica que informa sobre a trajetória e funcionamento da estância, e uma parte arqueológica que documenta a materialidade das instalações correspondentes. A postagem usa fragmentos de ambos os aspectos.

As missões dos jesuítas entre os guaranis, conhecidas como reduções, foram instaladas na Bacia do Rio da Prata, a partir de 1610. Cada uma reunia algumas dezenas de caciques (60, 70 ou mais caciques) com sua gente, para formar um núcleo populacional com mais de mil indivíduos. As tribos tinham vivido até então em pequenas aldeias de poucas casas de palha, explorando uma área de mato, onde, para sua manutenção, cultivavam plantas tropicais, caçavam e pescavam.

Durante as primeiras décadas de sua existência, as missões se apoiavam neste sistema de abastecimento, que se mostrou cada vez mais desajustado para a população reunida, resultando em grandes fomes. Para substituir a caça, que era aleatória e pouco rendosa, tão logo foi possível se introduziu algum gado, trazido de vacarias e estâncias espanholas da região de Corrientes e Entre Rios, gado que era mantido junto aos povoados. Com isto, algumas reduções, tanto das margens do rio Paraguai e do rio Paraná, como do rio Uruguai, conseguiram algum alívio alimentar.

Mas as bandeiras paulistas da década de 1630 e 1640 interromperam o desenvolvimento e provocaram um período de destruição, de instabilidade e de movimentação desordenada dos povoados. Só a partir de 1670 foi encontrada uma fonte regular de abastecimento de carne, que foi a Vacaria do Mar, nascida dos pequenos rebanhos abandonados pelas reduções do Tape quando, na década de 1630, fugiram para a Argentina diante da arrasadora frente bandeirante.

O Governador de Buenos Aires, reconhecendo a origem missioneira do gado da Vacaria do Mar, determinou que ele fosse reservado para alimentação dos índios das missões. A partir de então, anualmente, ou de dois em dois anos, cada missão buscava ali os animais necessários para alimentar seus moradores. Afirma-se que o conjunto das reduções consumia ao redor de cem mil vacas por ano.
Esta movimentação também corresponde à redução de Yapeyú, fundada em 1627, uma das maiores e a mais meridional das missões. Ela estava situada no lado argentino do rio Uruguai em frente à desembocadura do rio Ibicui.

Em 1657 a redução de Yapeyu criou, no Rincão produzido entre os rios Ibicui e Uruguai, o primeiro posto de reunião de gado selvagem, que se chamou Estância Santiago. Em 1690 ela contava 70.436 vacas, a maior parte trazida da Vacaria do Mar

A estância Santiago permaneceu neste lugar até 1701, quando foi absorvida pela nova sede, chamada Estância São José, na bacia do rio Quaraí.

As instalações da chamada Estância Santiago se compõem de duas construções: o posto de administração na margem do rio Uruguai, em frente à redução, chamado O Aferidor; este prédio está conservado e continua sendo habitado. A estrutura de criação de gado, com as ruinas de uma casa, de três currais e três potreiros está mais arruinada. 

É o que mostramos a seguir:

Modificado de: Maeder; Gutierrez, 2009, p. 26.

O espaço das 30 reduções guaranis no começo do século XVIII quando se criaram ou estabilizaram suas estâncias de criação de gado. A mais extensa era a da redução de Yapeyu.

Fonte: FURLONG, 1962, p. 188.
Vista da redução de Yapeyu na margem direita do rio Uruguai.


A estância da redução de Yapeyu, com terrenos no lado direito e esquerdo do rio Uruguai. A primeira sede dessa grande estância se chamava estância Santiago, que durou até ser incorporada na nova estância São José (Queimada), criada em 1701. Dentro dessa estância se criou, em 1731, um espaço reservado para gado de corte, chamado São José Novo, que ficava mais longe da redução. 


Durante os primeiros anos as estâncias se abasteciam de gado das vacarias, onde os animais permaneciam selvagens. A primeira foi a Vacaria do Mar. No começo do século XVIII, quando esta se tornou inviável, foram criadas, sucessivamente, a Vacaria de San Gabriel, a vacaria do rio Negro e a Vacaria dos Pinhais. Ao se tornarem inviáveis por causa da depredação causada por índios, portugueses e castelhanos, foram criadas e ou consolidadas as estâncias, onde o gado tinha dono e era manejado.

Acervo IAP

O
Aferidor, a casa de administração da estância de Santiago, na beira do rio, em frente à redução que está do outro lado. A casa continua habitada.

Acervo IAP

Vista dos fundos de O Aferidor mostrando melhor a técnica construtiva típica das reduções.


As estruturas da Estância Santiago. No encaixe, a relação entre a redução, O Aferidor e a Estância Santiago.

Acervo IAP
As fundações da casa em que moravam os índios encarregados dos animais. As paredes da casa eram de adobe e a cobertura era de palha. 


A planta dessa construção acima fotografada.


A planta dos currais em que se fazia o manejo do gado.


O reforço em pedra da base da estacada de troncos do grande curral circular.

Referências Bibliográficas

FURLONG, G. Misiones y sus pueblos de guaranies. Buenos Aires: Imprenta Balmes, 1962.

MAEDER, E.; GUTIERREZ, R. Atlas territorial y urbano de las misiones jesuíticas de guaraníes. Argentina, Paraguay y Brasil. Sevilla: Instituto Andaluza  del Patrimonio Histórico. 2009. 

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

História da Igreja: 55 anos da aprovação da Constituição sobre a Sagrada Liturgia “Sacrosanctum Concilium”


 João XXIII na abertura do Concílio. https://bit.ly/2NlazOS
Após 417 anos do início do Concílio de Trento, a Igreja Católica Apostólica Romana, na Pessoa de João XXIII, convoca um novo momento para a vida do catolicismo, o Concílio Ecumênico Vaticano II. Tal Concílio, segundo o próprio Papa, teria como finalidade principal “que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz” (JOÃO XXIII, 1962).

Neste concílio, convocado no ano de 1961, diversos temas dos mais variados assuntos, ligados a vida da Igreja, foram tratados. Destes debates surgiram os documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São eles: Quatro constituições (Dei Verbum, Lumen Gentium, Sacrosanctum Concilium e Gaudium et Spes.), três declarações (Gravissimum Educationis, Nostra Aetate e Dignitatis Humanae.) e por fim os nove decretos (Ad Gentes, Presbyterorum Ordinis, Apostolicam Actuositatem, Optatam Totius, Perfectae Caritatis, Christus Dominus, Unitatis Redintegratio, Orientalium Ecclesiarum e Inter Mirifica.).

Um dos principais, se não o principal, documento do Concílio Vaticano II foi a constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia. Esta constituição trouxe um rompimento histórico na vida da Igreja, através de sua vivencia litúrgica e da percepção do protagonismo leigo. No dia 4 de dezembro de 1963, em sua terceira sessão pública, o Concílio Ecumênico Vaticano II aprovou a Constituição sobre a sagrada Liturgia. Tal constituição inicia com a seguinte colocação:

O Sagrado Concílio assumiu o propósito de fomentar cada vez mais a vida cristã entre os fiéis, adaptar melhor às necessidades do nosso tempo as instituições susceptíveis de mudança, promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo, e fortalecer o que contribui para chamar a todos ao seio da Igreja. Julga, por isso, dever também interessar-se de modo particular pela reforma e promoção da Liturgia. (CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. 1962).

Capa da Constituição sobre a Sagrada Liturgia.
Editora Vozes. https://bit.ly/2oKxHZh
Esta constituição tinha por objetivo reformar a liturgia da Igreja para a maior e melhor participação dos fieis nos novos tempos que se apresentavam, como dito no próprio documento “A santa mãe Igreja, para permitir ao povo cristão um acesso mais seguro à abundância de graça que a Liturgia contém, deseja fazer uma acurada reforma geral da mesma Liturgia.” (CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. 1962)

Esta reforma, realmente, modificou a vivência litúrgica do povo católico. Antes do Vaticano II tínhamos uma missa seleta, mística (no sentido de mistério), onde o povo se quer conhecia a língua que se empregava naqueles rituais. Havia uma Igreja pomposa, ornada nos detalhes, vivendo a proposta da contrarreforma (movimento católico iniciado em meados do século XVI) obtida no concílio de Trento, como forma de demonstrar a soberania da única Igreja de Cristo e, assim, combater o luteranismo.

A Missa antiga, ou a Missa Tridentina era e é (pois a mesma ainda é celebrada licitamente) uma missa padronizada, sem lugar para improvisos ou acrescentamentos do celebrante e do povo. Seus rituais eram rígidos, compostos de diversas rubricas que guiavam estreitamente o sacerdote por onde ele deveria caminhar. Podemos dizer que tínhamos, antes do Concílio Vaticano II, duas liturgias paralelas, a liturgia do sacerdote e seus assistentes que se realizava sobre o altar, seguindo os passos do missal romano, e a liturgia do povo que se realizava através de sua devoção popular seguindo seus livros devocionais e sua fé pessoal (BENTO XVI, 2013).

Altar Mor, Memória Sacra na Unisinos.
Créditos I.A.P.
Com a reforma liturgica buscou-se um diálogo entre o sagrado, representado na pessoa do sacerdote, e o povo. Fazendo com que a liturgia do altar e a liturgia do povo se tornassem uma só liturgia. Para isso acontecer se fez necessária a mudança de alguns aspectos primordiais na liturgia. Foram eles:

1º - A mudança da língua utilizada nos ritos: A língua Latina antes utilizada como padrão universal na liturgia, não deixa de ser a língua litúrgica oficial, porém, com a reforma, ela pode ser substituída pela língua vernácula. Tal reforma linguística interferiu nos rituais e livros litúrgicos fazendo com que todos os livros fossem traduzidos para as mais diversas línguas.

2º - A orientação do Sacerdote voltado ao povo: Após a reforma litúrgica o Presidente da celebração deixa de celebrar “ad Orientem” e passa a presidir a Eucaristia “versus Populi”. Esta alteração muda não só a maneira da celebração, mas acaba mudando a disposição e utilização do espaço Sagrado, fazendo com que caísse em desuso o Altar Mor (Figura 3).

3º - A participação direta do povo na liturgia: Uma grande mudança ocorre com a reforma, o povo passa a ter um lugar na celebração com a utilização de diálogos entre povo e sacerdote, além de comentários, preces e a possibilidade de fiéis serem admitidos como ministros extraordinários da comunhão eucarística.

Frente de casula romana do acervo I.A.P.
Créditos: Beatriz Sallet, Juarez de Andrade e
demais alunos do curso de Fotografia da Unisinos.
Dentro desta abertura a participação dos fiéis é de se ressaltar, também, a abertura ao novo canto litúrgico, que passa a ter uma linguagem mais popular com a tentativa de inculturar a celebração e torná-la mais próxima da realidade do povo que a vive, por mais que o documento instrua a manter o canto gregoriano como forma oficial e principal de expressão musical na liturgia.

Diversas outras coisas mudaram através desta reforma litúrgica. Muitos há criticam, pois, após a reforma, a Igreja passou por um período de “improvisação” na liturgia, outros a cumprem e a enxergam através de um olhar de continuidade da tradição, algo muito falado durante o pontificado do Papa Emérito Bento XVI (o alemão Joseph Ratzinger), que seguidamente se referia a liturgia a partir de um olhar por ele chamado de “Hermenêutica da continuidade”. O importante é não esquecermos que a história da Igreja não se fez ontem, não se faz apenas do hoje e não se fará somente no amanhã. A tradição deve e merece ser relembrada e ensinada as novas gerações.
           
Costas de Casula romana do acervo I.A.P.
Créditos: Beatriz Sallet, Juarez de Andrade e
 demais alunos do curso de Fotografia da Unisinos.
Esse papel de recordação e de memória de uma fé e tradição de todo um povo em um grande período de tempo, é cumprido pelo espaço de Memória Sacra na Unisinos. Este espaço de memória conta, de maneira visível e física, a história pré-conciliar e pré-reforma litúrgica da Igreja, através da exposição de diversos materiais sacros e litúrgicos que eram utilizados em casas jesuíticas do Sul do Brasil no período pré-conciliar.

Nestes 55 anos da constituição sobre a liturgia, comemoramos não somente a reforma litúrgica, mas também a tradição que não deve ser esquecida, mas conhecida e ensinada como parte da vivencia da espiritualidade de um povo e de um tempo, de suma importância na vida não só da Igreja, mas da sociedade que teve em seu alicerce uma grande influência da Igreja e da tradição cristã na formação das bases da civilização ocidental.

O espaço de Memória Sacra na Unisinos se encontra aberto à visitação durante o período letivo, semanalmente nas quintas-feiras, das 14:00  às 17:00 horas. Demais horários podem ser agendados entrando em contato com o Instituto Anchietano de Pesquisas, pelo e-mail anchietano@unisinos.br ou pelo telefone (51) 3590-8409.

Texto: Gabriel Azevedo de Oliveira

Foto Panorâmica do espaço de Memória Sacra na Unisinos. Acervo I.A.P.
(Clique na imagem para ampliá-la)
Foto Panorâmica do espaço de Memória Sacra na Unisinos. Acervo I.A.P.
(Clique na imagem para ampliá-la)

Bibliografia

CONCÍLIO VATICANO II. Sacrosanctum Concilium. Constituição do Concílio Vaticano II sobre a Sagrada Liturgia. 1963. Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19631204_sacrosanctum-concilium_po.html>. Acesso em: 27 ago. 2018.

JOÃO XXIII, Papa. Discurso de sua Santidade Papa João XXIII na abertura solene do SS. Concílio. 1962. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/john-xxiii/pt/speeches/1962/documents/hf_j-xxiii_spe_19621011_opening-council.html>. Acesso em: 27 ago. 2018.

BENTO XVI, Papa. O concílio Vaticano II, tal como eu o vi. Discurso ao clero de Roma. 2013. (49 min 29 seg). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=903c5JziUhY> Acesso em: 31 ago. 2018.