segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

As vestes litúrgicas da Igreja Católica

As vestes e outras alfaias usadas pelos sacerdotes e seus auxiliares nas celebrações litúrgicas da Igreja Católica têm origem antiga, desde quando o cristianismo foi declarado religião oficial no Império Romano, a partir do século IV.

Antes do Concílio Vaticano II o sacerdote, quando celebrava a Missa, vestia uma túnica, a veste básica dos homens naquele tempo, branca, ritual; por cima uma estola, símbolo do poder sacerdotal; um manipulo no braço esquerdo, resquício de uma toalha como a do garção para a limpeza do altar e das mãos; por cima, uma casula, um antigo abrigo. Para as bênçãos e outros rituais solenes, em lugar da casula, vestia uma grande capa com capuz (capa de asperges, ou de aspersão). Para o momento da bênção com o Ostensório com o Santíssimo, ainda cobria os ombros, os braços e as mãos com o véu de ombros. 

Para ritos mais simples, como batismo, confissão, viático para doente, bênção particular, o sacerdote usava, em cima da batina preta do dia-a-dia, apenas uma sobrepeliz, e a estola.

Antes do Concílio, as celebrações eucarísticas eram individuais, presididas por um sacerdote. Nas celebrações solenes, por ocasião de grandes festas, ele podia estar acompanhado por um diácono e um subdiácono. Eles, em lugar da casula, vestiam a dalmática, originária de um abrigo usado pelos antigos Dálmatas do tempo do Império Romano. Nas celebrações particulares ele era acompanhado por um ou dois acólitos. 

O sacerdote celebrava na frente do povo, como seu líder ou representante, voltado para o altar e a cruz; a comunidade reunida o seguia por trás. Esta posição marcava as vestes, fazendo que os símbolos principais que as identificam estejam nas costas do celebrante e não na sua parte frontal. Depois do Concílio a posição de celebrante mudou; agora ele celebra com a sua comunidade, voltado para ela, ou cercado por ela.

A estrutura e forma das vestes litúrgicas estão fortemente marcadas pelo ambiente e o tempo em que nasceram, o Império Romano em seu esplendor, quando o cristianismo tornara sua religião oficial e o sacerdote ocupava uma posição destacada na estrutura social, ao nível do cidadão romano ou mesmo do senador. As vestes originais de classe foram assumindo caráter sagrado, reservado para a liturgia e assim garantiram sua perenidade. 

A casula, que era a veste usada na celebração diária da Eucarística, tinha forma retangular na parte das costas (voltada para o povo) e ovalada na frente, deixando liberdade para movimentar os braços; é conhecida como forma romana, ou também, em violão. Mais tarde surgiu a forma gótica, do tamanho da romana, mas em estilo ovalado, que, em tempos modernos, cresceu para envolver o corpo todo do celebrante. A forma romana praticamente desapareceu.

A capa de asperges era, em realidade um grande poncho com capuz. O capuz perdeu sua função de abrigo da cabeça e serve agora como local dos principais símbolos da veste.

O manípulo, que se originara de uma toalha, usada no braço esquerdo, para o serviço do altar, em que se manipulava pão e vinho, perdeu o sentido quando estas espécies se miniaturizaram e, depois do Concílio, deixou de ser usado. No ritual sobrou uma lavação simbólica das mãos após esta manipulação.

O tecido das vestes era produzido especialmente, usando vários materiais e técnicas para lhe darem destaque e brilho. A fibra vegetal usada predominantemente podia ser substituída por fio metálico, ouro, prata ou semelhantes para lhe dar maior importância e esplendor. Os símbolos cristãos das primeiras comunidades cristãs, que lhe imprimiam valor litúrgico, podiam ser produzidos na trama do tecido ou acrescentados a ele por pintura, bordado, encaixe etc. 

Estes símbolos básicos são os da paixão, morte e ressureição de Jesus e os da celebração eucarística. Os da paixão são a cruz, a cabeça de Jesus coroada de espinhos, a flor-da-paixão (passiflora, ou maracujá), na qual se percebia a cruz, os cravos e a coroa de espinhos e a Mãe Dolorosa. Os da Eucaristia são o cesto com pão e o peixe, espigas de trigo, cachos de uva e ramos de videira, o cálice e a hóstia.

Com o tempo foram acrescentados outros símbolos a partir de novas percepções e definições religiosas. A variação também acompanha a celebração a ser feita. 

As cores usadas nas vestes são indicativas e simbólicas. Branco é usado para as liturgias de Jesus, de Maria, dos anjos, dos santos que não são mártires. Vermelho é usado em dias da paixão do Senhor, na festa do Espírito Santo, dos santos mártires. Roxo, na quaresma e no advento, hoje também para rituais fúnebres, em substituição ao preto. Verde, nos dias em que não há nenhuma comemoração especial ou festa. A cor preta não se usa mais. A mesma cor é usada em todas as vestes e outras alfaias da liturgia do dia.

Do material da reserva técnica foram classificadas, e fotografas em alta precisão, e tombados, até agora, 142 casulas romanas, 82 casulas góticas, 16 dalmáticas, 20 capas de asperges, 13 véus de ombros, 166 manípulos, 320 estolas. Existem ainda outras alfaias. Você pode ver tudo isto em nossa página. 


Figura 1. Casula romana em veludo vermelho, com a representação do Espírito 

Santo.



Figura 2. Casula romana roxa, tecido estampado, com a cruz e o nome de Jesus Cristo.



Figura 3. Casula romana roxa, tecido liso aveludado, com Jesus Cristo Crucificado cercado por ramos de passiflora (maracujá).



Figura 4. Maria, Mãe das Dores, em casula roxa.



Figura 5. Casula romana branca, tecido liso, com imagem e simbologia de Maria Imaculada.

 


Figura 6. Casula romana em fio metálico, com símbolo de Maria Imaculada no recorte.



Figura 7. Dalmática vermelha.



Figura 8. Casula gótica em tecido tramado rosa.



Figura 9. Casula gótica, em tecido tramado verde.



Figura 10. Capa de asperges em fio metálico, com floral bordado. Costas.


Figura 11. Capa de asperges em tecido metálico, com floral bordado. Frente.

 


Figura 12. Capuz de capa de asperges, preta, com símbolos de ressurreição.



Figura 13. Véu de ombros, branco, com símbolo do nome de Jesus


Texto: Dr. Pedro Ignácio Schmitz

Imagens: Acervo IAP

sábado, 12 de dezembro de 2020

UM ESPAÇO PARA RECORDAR: O ESPAÇO DE MEMÓRIA SACRA DO INSTITUTO ANCHIETANO DE PESQUISAS

 Nos é conhecida a realidade da fé em todas as sociedades humanas, sejam as mais antigas tribos e grupos sociais até as mais modernas sociedades contemporâneas. A fé, seja ela qual for, acompanha a sociedade em toda a história de sua formação e faz-se algo primordial, principalmente quando pensamos a formação da sociedade ocidental. 

A memória de um povo faz parte da formação identitária do mesmo e não pode ser esquecida, sejam elas boas memórias ou não tão boas assim. Neste sentido é primordial preservarmos a memória de uma realidade que fez parte da formação do nosso território gaúcho, a realidade sacra, a história jesuítica do sul do país. É inegável que os missionários jesuítas tiveram uma importância ímpar no território sulino. Seja no período das reduções jesuíticas ou na vinda dos colonos alemães e por consequência dos jesuítas de língua alemã, a importância desta congregação no sul do país é indubitável. 

O Espaço de Memória Sacra mantido pelo Instituto Anchietano de Pesquisas traz em si a função de fazer memória. Comporta diversas possibilidades de narrativa, seja sobre as histórias das reduções –através da arte barroca missioneira preservada no espaço-, seja sobre o catolicismo vivido pelos imigrantes alemães -através dos objetos que pertenceram às casas de jesuítas formadas posteriormente à chegada dos imigrantes no intuito de atendê-los espiritualmente-, ou até mesmo na perspectiva de uma história eclesiástica e litúrgica global do período tridentino. 


Fazer e preservar a memória destas realidades sulinas é não negar o caminho percorrido na formação de nossa identidade e preservar o que era muito caro aos nossos antepassados, a fé. Neste tempo pandêmico queremos trazer um pouco do que este espaço contém, para que façamos memória da nossa história e entendamos a importância da preservação daquilo que a compôs. 


Em várias postagens pretendemos apresentar o espaço da Memória Sacra e de materiais nele apresentados ou guardados: esculturas missioneiras, vestes e livros da liturgia católica.



Figura 1. Panorâmica I do espaço de Memória Sacra.


Figura 2. Panorâmica II do espaço de Memória Sacra.


Figura 3.  A principal finalidade do espaço de Memória Sacra é a ligação entre Universidade e Comunidade.


Figura 4: Altar do antigo Seminário Central de São Leopoldo com imagens (em gesso) de três santos jesuítas: Santo Inácio de Loyola, São

Francisco Xavier e Santo Afonso Rodriguez. 


Figura 5. O Crucifixo em estilo Barroco, que estava num outro altar.


No espaço de Memória Sacra estão expostas 12 esculturas missioneiras, em madeira, representando uma o Cristo na Cruz; três, São Miguel; duas Santo Inácio; uma, Maria Imaculada; uma Santo Izidro lavrador; uma, o Bom Pastor; uma, São Luiz; uma, São Francisco Xavier; uma, Cabeça de Anjo; além de um fragmento desconectado de veste.


Elas foram recolhidas por historiadores jesuítas no primeiro quartel do século XX, preservadas em casas jesuíticas e restauradas no início do século XXI. São amostras da estatuária missioneira dos Sete Povos.


Algumas parecem ter sido importadas completas da Europa, outras poderiam ter sido esculpidas por artistas locais, religiosos ou índios, algumas são mistas, as cabeças e as mãos trazidas de ateliês europeus e os corpos esculpidos localmente. As grandes reduções tinham seu ateliê próprio de escultura e pintura, coordenados por artistas religiosos e atendidos por mão-de-obra artesanal indígena. Neles foram produzidos alguns milhares de esculturas para fins religiosos, de acabamento variado, conhecido como barroco jesuítico.


Apresentamos umas poucas amostras:


Figura 6. A primeira, Maria Imaculada missioneira (madeira); a segunda, Maria Imaculada (gesso), de produção local, para comparação. 




Figura 7. São Miguel Arcanjo, missioneiro.


Figura 8. Pormenor da cabeça. 


Figura 9. A cabeça de outro São Miguel Arcanjo, missioneiro.



Figura 10. A cabeça de mais um São Miguel Arcanjo, missioneiro.

Figura 11. Santo Inácio Loiola, missioneiro.


Figura 12. Pormenor da cabeça.


Figura 13. A cabeça de outro Santo Inácio de Loiola, missioneiro.


Figura 14. O pastor de um presépio, ou Jesus o Bom Pastor, missioneiro.


Texto: Prof. Dr. Pedro Ignácio Schmitz e Gabriel Azevedo de Oliveira

Imagens: Acervo do Instituto Anchietano de Pesquisas


sexta-feira, 27 de novembro de 2020

MARIA SALETE MARCHIORETTO, BOTÂNICA


Nasci no distrito de Dr. Ricardo, munícipio de Encantado, descendente de italianos tanto de pai, como de mãe, sou a quarta e última filha do casal, convivi com eles até terminar na época o 5º ano primário. Terminada esta etapa, me mudei para a cidade de Encantado, onde fiz o exame de admissão e ingressei no ginásio, na escola Estadual Farrapos. Nesta ocasião fui morar com meus irmãos que trabalhavam e estudavam na cidade. Meu amor pela botânica já veio desde meus primeiros anos vividos na pequena cidade do interior, onde em minhas brincadeiras, muitas vezes sozinha, pois meus irmãos mais velhos já tinham outros interesses, era coletar tipos diferentes de folhas e flores e brincar de professora mostrando para alunos imaginários as diferenças entre uma e outra.

No ginásio, sempre tive mais afinidade com a disciplina de Ciências, mantendo o mesmo interesse durante o 2º grau, cursando o científico na Escola de 2º grau São Pedro, onde a disciplina da Biologia era minha favorita. 

Comecei a trabalhar bastante jovem, quando ainda cursava o ginásio. Meu primeiro emprego foi na Malharia Petenatti, na cidade de Encantado, na função de tecelã. Tinha que acordar 5 horas da manhã e caminhar mais de meia hora para chegar ao local de trabalho, trabalhei ali por quase um ano. Após este tempo surgiu uma vaga na Cooperativa dos Suinocultores de Encantado, fui contratada para trabalhar no escritório de suprimentos da mesma, onde minha função era auxiliar de escritório. Nesta ocasião já estava cursando o científico, trabalhei lá por três anos.

Já havia concluído o então 2º grau e minhas expectativas eram de cursar uma faculdade. Nesta época, eram poucas as faculdades vigentes e a grande maioria ficavam muito distantes da minha cidade inviabilizando o meu ingresso. Fiquei um ano pensando e procurando por alternativas, pois não queria parar de estudar. Ainda não tinha certeza absoluta do que cursar, gostava muito de Nutrição, mas também tinha toda minha afinidade com a Biologia. Foi então, que em conversas com colegas de trabalho, surgiu a possibilidade de fazer o vestibular na UNISINOS. Estávamos no ano de 1975 e possivelmente para o período de aulas teríamos um ônibus saindo de Encantado com destino a São Leopoldo (UNISINOS), algumas vezes por semana, indo à tardinha e voltando no final do período das aulas. Então, eu e mais 2 colegas nos inscrevemos no vestibular, fizemos e iniciamos o período letivo de 1976, saindo de Encantado às 17:30 h e retornando por volta da 1:00 h da madrugada. Era bastante cansativo, pois trabalhava o dia todo, viajava, assistia as aulas e retornava. Neste primeiro semestre cursei duas disciplinas do Básico. Chegando o mês de julho, tirei férias e vim a São Leopoldo para cursar mais duas disciplinas no intensivo. 

Durante o intensivo conheci algumas pessoas, uma delas havia trabalhado na UNISINOS e se propôs a me apresentar ao Superintendente Administrativo Sr. Claudio Rambo, para me candidatar a uma vaga de trabalho. Fomos ao encontro do Sr. Claudio e ele nos informou que não havia nenhuma vaga disponível naquele momento, mas que eu preenchesse uma ficha e ficasse aguardando. Terminei o intensivo, me matriculei na disciplina que ainda estava faltando para concluir o básico e voltei para minha cidade. No retorno, qual foi minha surpresa, não haveria mais ônibus para a UNISINOS, fiquei desesperada, pois não queria parar de estudar. Pedi uma dispensa no serviço e vim a São Leopoldo, fui direto procurar o Superintendente Administrativo, expus minha situação e ele então me disse, esteja aqui no dia 15 de agosto para fazer os exames médicos para ser admitida. Desta forma retornei à minha cidade, rescindi meu contrato de trabalho e literalmente peguei minha mala e cuia e me mudei para São Leopoldo. 

Iniciei na UNISINOS em 18 de agosto de 1976, trabalhando no setor financeiro, como auxiliar administrativo. Trabalhei durante o primeiro ano na Antiga Sede da UNISINOS, no prédio que foi devastado pelo incêndio anos depois. Como o campus já estava em funcionamento a parte financeira foi transferida para lá também. Terminei o básico e ingressei no Curso de Ciências, que tinha diversas habilitações, entre elas, Biologia, Física, Matemática. Cursei antes o tronco comum das Ciências, para depois fazer a licenciatura plena em Biologia. As aulas ocorriam em turnos diversos, desta maneira eu ia jogando com meus horários de trabalho na Universidade. 

Durante o curso meu contato com professores como Aloysio Sehnem e Ronaldo Wasum fizeram despertar cada vez mais o interesse e afinidades com a botânica. Minha primeira saída de campo foi realizada para Salvador do Sul com Sehnem e Wasum, onde ficamos hospedados numa cabana pertencente ao colégio dos padres existente lá. Percorremos muitos quilômetros junto com os dois mestres, coletando e recebendo muitas informações sobre as diferentes plantas da região. 

Depois desta saída eu fui conhecer o Herbário PACA e fiquei ainda mais encantada pela possibilidade de trabalhar num local, que eu considerava mágico. Tentei junto ao Professor Ronaldo de alguma maneira trabalhar no Herbário como bolsista ou monitora, mas como tinha 40 horas no setor financeiro e mais as aulas, não tinha disponibilidade. Estava sempre atenta para a possibilidade de poder trabalhar em algo que estive ligado ao meu curso. Infelizmente esta oportunidade não aparecia, então como tinha feito um concurso para professora estadual, quando estava quase formada fui chamada, resolvi abrir mão de algumas horas na UNISINOS e fui dar aulas de Ciências na Escola Estadual Olindo Flores da Silva, na Scharlau, durante 6 anos.


Formatura do curso de Biologia- 1984


Já estava formada e ainda estava trabalhando no financeiro, quando em 1984, surgiu a oportunidade de eu trabalhar as horas que eu ainda tinha na UNISINOS no Instituto Anchietano de Pesquisas -Herbarium Anchieta, do qual o diretor era o Dr. Pedro Ignácio Schmitz e o curador do Herbário o Prof. Ronaldo Wasum. Então enfim, consegui entrar num setor ligado ao meu curso, e o melhor, ligado diretamente à botânica. 

Meu trabalho inicial no herbário foi de muito conhecimento e experiências novas, nunca vivenciadas anteriormente. Datilografei durante praticamente dois anos, fichas de coleta de materiais depositados no herbário, herborizei milhares de exsicatas, guardava material, auxiliava o curador em todas as atividades. O prof. Ronaldo era uma pessoa muito alegre, dinâmica e carismática, me fez ficar cada vez mais apaixonada por aquele ambiente e aprender muito mais do que em todo tempo de curso. Ele organizava saídas de campo para coletas para várias regiões do estado, onde conheci muito da vegetação e suas associações. Estas saídas eram sempre muito alegres, trabalhávamos muito, mas tudo feito com descontração o que se tornava muito mais produtivo.

Nesta fase, eu sentia necessidade de produzir algo, queria muito pesquisar, queria muito fazer um mestrado, mas os mestrados em botânica ou biologia eram raros no estado. Havia o mestrado em Botânica na UFRGS, mas esta exigia dedicação exclusiva e eu não podia me dar ao luxo de sair do emprego para fazer um mestrado. Na UNISINOS não havia nenhum mestrado. 

Em 1986, então iniciei um curso de especialização em Ecologia Humana, não era bem a área que eu queria, mas foi muito especial, professores de várias áreas do conhecimento, colegas de muitas cidades distantes, que vinham toda sexta-feira para o curso, pois as aulas eram sexta de noite e sábado de manhã, foi enriquecedora a troca de experiências.

Minha vida tomou um novo rumo em 1987, quando chegou ao Herbário o Pe. Josafá Carlos de Siqueira, vinha da PUC-RJ para passar uma temporada conosco no Instituto Anchietano de Pesquisas. Pe. Josafá tinha mestrado em Botânica e estava fazendo doutorado, se dispôs a me orientar em trabalhos científicos na área de taxonomia vegetal e assim comecei meus trabalhos nesta área e já em 1988, publiquei meu primeiro trabalho intitulado: ‘Estudo taxonômico das espécies dos gêneros Celtis Trema (Ulmaceae) no Rio Grande do Sul’. Muitos outros trabalhos foram realizados em parceria e orientação do Pe. Josafá.  E cada vez mais eu sentia a necessidade de um mestrado, mas as coisas não eram tão simples e a UNISINOS não possuía nenhum mestrado ainda. 

Em 1990, após minha licença maternidade, consegui a cedência do Estado para o herbário com as 20 horas, aumentando novamente minhas horas na universidade, realizando mais e mais trabalhos em conjunto com o Pe. Josafá. 

Em 1992 fui designada curadora do Herbário PACA, substituindo o Prof. Ronaldo que já estava morando e trabalhando na Universidade de Caxias do Sul. Na sequência foram anos de muito trabalho nas coleções, herborizando material, digitando os dados em um banco de dados, recebendo pesquisadores, professores e alunos, contando somente, por muito tempo, com um bolsista de 20 horas para me auxiliar.


Trabalho em conjunto com Pe. Josafá


 Em 1996, a UNISINOS me propôs sair do Estado e voltar as 40 horas, ou seja, com o tempo integral no herbário. Neste mesmo ano, começavam os rumores no antigo Centro 2, de quererem iniciar um curso de mestrado na Biologia. Os trâmites legais para formalização e aprovação do Mestrado levaram aproximadamente 3 anos. No final de 1999 foi aprovado e aberta a seleção para o Mestrado em Biologia: ‘Diversidade e Manejo de Vida Silvestre’. Neste ano chegou na Universidade o Prof. Dr. Paulo Günter Windisch, vindo da UNESP, especialista em Pteridófitas. Eu conhecia o Prof. Paulo anteriormente, pois inúmeras vezes ele visitou nosso herbário. Com a sua chegada fui procurá-lo, pois ele faria parte do corpo docente do mestrado e era um dos possíveis orientadores. Mesmo sendo sua área de atuação diferente da que eu pretendia trabalhar no meu mestrado, ele abraçou a causa e aceitou em me orientar com taxonomia e fitogeografia de dois gêneros de Amaranthaceae para o Brasil.

Em 2000, comecei o mestrado. Inicialmente foi um pouco complicado, pois fazia muitos anos que não estudava mais, e também por não ter me afastado do trabalho, mas devagarinho tudo foi se encaixando. 

O Prof. Paulo não foi só um orientador, foi um amigo, que me incentivava muito a participar de Congressos, me apresentando a numerosos pesquisadores nacionais e internacionais, conseguia bibliografias difíceis de encontrar, abrindo muitas portas de contatos que até hoje me são extremamente importantes. Pude também contar com a essencial coorientação do Dr. Josafá Carlos de Siqueira, parceiro e amigo de longa data.

Fui uma das primeiras da minha turma a defender a dissertação em dezembro de 2001, intitulada: ‘Diversidade, padrões de distribuição geográfica e estado de conservação dos representantes dos gêneros Froelichia Moench e Froelichiella R.E. Fries (Amaranthaceae) no Brasil’. Tendo obtido a nota máxima (dez), resultando desta a publicação três artigos em revistas especializadas.


Defesa da dissertação- 2001

 

Meu trabalho no herbário continuou concomitantemente com o mestrado, atendendo inúmeros pesquisadores, professores e alunos. Nesta época tinha como colega o biólogo Julian Mauhs, tivemos vários projetos em conjunto, fizemos muitas excursões em campo, que resultaram em várias publicações. Tivemos também bolsistas vinculados aos projetos, que nos davam um suporte especial para a conservação das coleções.

Coletas nos Campos de cima da Serra


Com o mestrado veio o firme propósito de seguir com os estudos e fazer o doutorado, fiquei aguardando que a UNISINOS nos oferecesse o doutorado em Biologia, mas foram passando três anos e nada, então comecei a correr atrás de outros lugares em que eu pudesse fazer e onde fosse possível, sem eu sair da UNISINOS. Surgiu na UFRGS a oportunidade de fazê-lo, entrei no doutorado em março de 2005, sob a orientação da Dra. Silvia Teresinha Sfoggia Miotto e coorientação do Dr. Josafá Carlos de Siqueira. Foi um período bastante intenso, com aulas, muitas viagens de coletas, atender o herbário, a família, mas também foi uma fase de muito crescimento, conhecimento, mudanças. 


Coletas em Minas Gerais-2007


 

Mesmo atendendo tantas coisas junto com o doutorado, fui a primeira aluna da minha turma a defender o doutorado com a tese intitulada: ‘Os gêneros Hebanthe Mart. e Pfaffia Mart. (Amaranthaceae) no Brasil’, em 11 de julho de 2008 com o conceito “A”. Foi um dia muito especial na minha vida, a concretização de um sonho acalentado por muitos anos. Como resultado da tese tive seis trabalhos publicados em revistas especializadas.


Banca da Tese de Doutorado-2008


Tornei-me uma especialista nas famílias Amaranthaceae, Microteaceae, Phytolaccaceae, tendo publicado numerosos trabalhos em revistas especializadas nas áreas de taxonomia, conservação e fitogeografia.

Desde a conclusão do doutorado, participo de numerosos projetos e mantenho a curadoria do herbário; seguem alguns: Flora do Brasil 2020; Lista da Flora ameaçada de extinção do RS e do Brasil; Lista das plantas ameaçadas do Espirito Santo; Listagem das plantas da Mata Atlântica; Flora das Caatingas do Rio São Francisco; INCT – Herbário Virtual da Flora e dos Fungos; Flora de Santa Maria; Flora do Campus UNISINOS.

Tive também projetos aprovados e executados por algumas fontes financiadoras tais como: FAPERGS: Modernização do Herbário Anchieta; Análise da ocorrência de espécies ameaçadas de Amaranthaceae Juss. no Rio Grande do Sul. CNPq: Informatização e modernização do Herbário Anchieta- PACA; INCT – Herbário Virtual da Flora e dos Fungos (2018- atual). UNIBIC: Fenologia das espécies arbóreo-arbustivas em mata arenosa da restinga no Litoral Central do Rio Grande do Sul; Estudo taxonômico e considerações fitogeográficas do gênero Pfaffia Mart. (Amaranthaceae) no Brasil; Análise fitogeográfica das fanerógamas no Rio Grande do Sul: I- Amaranthaceae; Análise fitogeografia das fanerógamas no Rio Grande do Sul: II Caryophyllaceae e Phytolaccaceae; Análise fitogeografia das fanerógamas no Rio Grande do Sul: III Nyctaginaceae; Taxonomia e fitogeografia da família Acanthaceae no Rio Grande do Sul.


Coletas no Litoral, plantas ameaçadas do RS

 

Ao longo dos anos consegui parcerias com diversas instituições como: Department of Higher Plants, Biological Faculty, Lomonosov Moscow State University; Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP; Universidade Federal de Minas Gerais; Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Universidade FEEVALE; Universidade de Brasília - UNB; Instituto Federal Farroupilha, São Vicente do Sul, entre outras.

No decorrer da minha carreira de botânica ocupei vários cargos tais como: Secretaria da Rede de Herbários do Rio Grande do Sul: 1997-2000; Coordenadora da Rede de Herbários do Rio Grande do Sul: 2002-2006; Conselheira da Rede de Herbários do Rio Grande do Sul: 2006-2011; Vice diretora Regional do RS da Sociedade Botânica do Brasil: 2010-2012; Coordenadora da Rede de Herbários do Rio Grande do Sul: 2012-2014; Vice coordenadora da Rede de Herbários do Rio Grande do Sul: 2015-atual;  Editora assistente da revista Pesquisas, Botânica: 2008-atual.

Sou revisora de numerosos periódicos como:  Rodriguésia, Boletín de la Sociedad Argentina de Botánica; Iheringia. Série Botânica; Brazilian Journal of Biology; Check List, entre outros.
Participei também de mais de 30 bancas de doutorado, mestrado e graduação em diversas instituições de ensino e pesquisa.

Atualmente me mantenho ativa na curadoria do herbário, recebendo a visitas de pesquisadores de diferentes instituições de ensino e pesquisa, que utilizam o acervo para desenvolver trabalhos técnicos, monografias de conclusão de curso, dissertações e teses. Também informando a comunidade acadêmica e científica todo o valor das nossas coleções, disponibilizando os dados online, mantendo-os atualizados constantemente, desta maneira, proporcionando a realização de inúmeros trabalhos científicos. Ainda executo alguns projetos, mesmo com pouco tempo para estes, pois zelar por uma coleção de 143.000 exemplares, é uma tarefa bastante intensa. Constantemente sou consultada para identificar material das famílias que sou especialista, auxiliando desta maneira muitos alunos e/ou pesquisadores em seus projetos de pesquisa.


Texto e fotografias: Dra. Maria Salete Marchioretto

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

O PAI DO INSTITUTO FAZ 130 ANOS; PARABÉNS!

 Esta postagem é feita em homenagem ao Colégio Anchieta (1890), o pai do Instituto Anchietano, em seus 130 anos de atividade. O filho também já tem 64 anos de atividades e deseja contar, informalmente, um pouco das circunstâncias em que foi gerado, dos seus parteiros e de seu desenvolvimento. Escrevi a certidão de nascimento e devo ser o último dos presentes naquele momento.

Falo sobre o contexto, os primeiros sócios e a trajetória.



 Figura 1: O majestoso antigo Colégio Anchieta, onde o Anchietano nasceu.


O contexto:

O Instituto Anchietano de Pesquisas nasceu em 1956 no antigo Colégio Anchieta, na Rua Duque de Caxias, em Porto Alegre. Em sua origem está um punhado de jesuítas preocupados com a divulgação das pesquisas que estavam fazendo, a sobrevivência de suas coleções originais e a preservação da preciosa bibliografia especializada, adquirida com muito esforço, sem nenhum apoio institucional. 

O tempo em que o Instituto nasceu existia, em Porto Alegre, uma Universidade Pública e uma Universidade Católica, que formavam técnicos e cidadãos respeitáveis, não especialmente cientistas. Com características semelhantes existiam, na área metropolitana e pelas cidades do interior, Faculdades isoladas, federadas ou agregadas e outras estavam se formando. Aqui estão incluídas as Faculdades que os jesuítas de São Leopoldo estavam abrindo ao público.

Grande parte da produção cultural nascia de Institutos Históricos, Geográficos e/ou Etnográficos, que ofereciam vazão social à produção intelectual de seus cidadãos respeitáveis. Neles, ao lado dos mais variados temas, se buscava saber qual era, afinal, a identidade social do povo rio-grandense e qual parte em sua formação, competia a paulistas, açorianos, índios missioneiros e imigrantes europeus. O CTG formulou uma síntese possível. 

Na cidade havia, também, ginásios e colégios, confessionais ou públicos, entre os quais o Colégio Anchieta, que se propunham como atividade básica a educação de seus alunos para a sociedade do tempo; ela se fazia num contexto de produção e fruição cultural. O museu escolar era exigência para o reconhecimento oficial da instituição. Ele cobria especialmente o campo da História Natural e podia tornar-se uma plataforma de pesquisa original, que superava os objetivos iniciais. Foi o que aconteceu no Colégio Anchieta e desencadeou o processo de fundação do Instituto. 

Eu tive a graça de viver no Anchieta (figura 1), do começo de 1955 ao fim de 1958 como professor e estudante de História na Universidade Federal. Na residência do Colégio viviam 33 jesuítas, a maior parte ocupada com os afazeres da escola; outros se dedicavam à produção e divulgação de cultura, ao atendimento social e religioso e ainda os que estudavam nas duas universidades da cidade. A instituição oferecia cursos diurnos para jovens de famílias de classe média do centro da cidade, e cursos noturnos para operários e outros trabalhadores. Os jesuítas constituíam grande parte da mão-de-obra e os estudantes faziam prever um futuro promissor para suas obras. 

Então, uma tarde de sábado fui convocado para secretariar uma reunião na sala em que costumavam reunir-se os congregados marianos da casa. Ali, naquela tarde, nasceu o Instituto Anchietano de Pesquisas, uma sociedade civil de jesuítas ligados à produção e divulgação de Ciência e de Cultura. O futuro era previsto grande, multidisciplinar e multinacional. Eu escrevi a Ata da Fundação.


Quem eram os fundadores?

A ideia da fundação partiu de duas personalidades representativas na sociedade gaúcha: Padre Luiz Gonzaga Jaeger, historiador e agente religioso e Padre Balduíno Rambo, botânico e atuante ecológico. 

Os sócios fundadores eram sacerdotes jesuítas, com formação básica em Humanidades, Filosofia e Teologia, formação considerada suficiente para atuar em qualquer das obras da Congregação, mesmo na produção de ciência.

Vou identificar alguns fundadores e sócios admitidos nas primeiras horas.

Luiz Gonzaga Jaeger (1889-1963), como historiador procurava mostrar a importância da obra dos jesuítas, especialmente em sua relação com os índios guaranis e a contribuição desses missioneiros na formação da identidade gaúcha. Para consolidar o culto aos mártires jesuítas, ele buscou elementos materiais para indicar Caaró como lugar do martírio de Roque González e companheiros, e Santa Lúcia do Piaí como o de Cristóvão de Mendoza. Usava como plataforma de ação e divulgação o Instituto Histórico do Rio Grande do Sul. Seus continuadores foram Arnaldo Bruxel (1909-1985), que envelheceu enterrado em arquivos públicos, e Arthur Rabuske (1924-2010), um historiador multiforme

Balduino Rambo (1905-1961), botânico, preocupou-se com o conhecimento e a sistematização do mundo vegetal do Estado. Para ajuda-lo na tarefa convocou outros religiosos, jesuítas ou não-jesuítas, dividindo com eles o estudo. Entre os parceiros estavam Aloísio Sehnem (1912-1981), livre-docente-doutor, encarregado das Briófitas, e Canísio Orth (1906-1977), responsável pelas plantas medicinais. Ele mesmo ficou com a plantas superiores (que produzem flores), mas também recuperou o trabalho sobre os fungos e liquens de um antecessor, João Evangelista Rick (1869-1946). Para conseguir uma visão abrangente, sistêmica da vegetação, sobrevoou e fotografou boa parte do Brasil, e seu teco-teco fez mais de uma aterrisagem forçada. Notável foi sua preocupação com a formação de parques e a conservação de matas nas propriedades agrícolas. Sua base de operações era o museu do Colégio Anchieta, onde sua coleção de plantas somava mais de 80.000 espécimes. Também batalhou pela inclusão dos imigrantes na formação da identidade social gaúcha.

Pio Buck (1883-1972), suíço, interessou-se pelos insetos gaúchos. Ele reuniu 120.000 exemplares em sua coleção, onde se destacam as borboletas e os cascudos. Sua base de operações era o museu e seus auxiliares os alunos do colégio. A coleção continua na instituição de origem. 

Josef Hauser (1920-2004), húngaro, que estudava planárias e João Oscar Nedel (1921-2012), abelhas, são os primeiros doutores por universidades europeias, ultrapassando o nível de formação clássica dos jesuítas. Com essa qualificação aparecem, logo, Matthias Schmitz (1916-1975), alemão, químico e Milton Valente (1912-1989), especialista em Língua Latina e História Romana. A atuação deles não é mais pelo museu e o colégio, mas pela Universidade.

João Alfredo Rohr (1908-1984) optou pela arqueologia depois se retirar do magistério e da direção do Colégio Catarinense. Seu trabalhou resultou em considerável acervo de material cultural e biológico de antigas populações indígenas de Santa Catarina. Sua atuação também garantiu a preservação dos sambaquis do Estado, os maiores do litoral brasileiro. Como base de atuação criou o museu que leva seu nome. 

Pedro Ignácio Schmitz (1929- ), livre-docente-doutor, tornou-se arqueólogo por indicação de Balduíno Rambo. Sua proposta de criar uma amostragem representativa das antigas culturas indígenas do Brasil, com o apoio de equipes regionais, resultou em boas vidualizações para os estados subtropicais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, e para os estados tropicais de Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia e Pernambuco. Sua base de operações é a sede do Instituto, junto à UNISINOS, em São Leopoldo. 

Adalberto Holanda Pereira (1927-1996) era missionário entre os índios do Mato Grosso. Sua vida foi centrada em documentar os mitos de tribos indígenas atingidas pela ação missionária. Dez de seus levantamentos, às vezes bem volumosos, foram publicados pelo Instituto. Uma choupana junto ao rio, na proximidade de uma aldeia indígena, era a sede de seu trabalho. José de Moura e Silva (1928-2016) e João Dornstauder (1904-1994), austríaco, seus companheiros de missão, também pertenceram ao Instituto.


A trajetória da instituição

O Instituto nasceu no Colégio Anchieta, no Centro de Porto Alegre, onde a sede ficou até a morte de Balduíno Rambo, seu diretor, em setembro de 1961, quando ele foi transferido para junto das Faculdades que os jesuítas estavam formando no centro da cidade de São Leopoldo, junto ao rio dos Sinos (figura 2); as faculdades se transformaram na Universidade do Vale do Rio dos Sinos.  Nesses prédios, que tinham abrigado o Ginásio Conceição e o Seminário Central, ele permaneceu cinquenta anos. Agora ele está no Campus da Unisinos, onde ocupa toda a ala B05 (figura 3) e mais um espaço no piso térreo da biblioteca. 

Ali se encontram: a Secretaria, a Edição da Revista Pesquisas, a Biblioteca, salas de pesquisadores e bolsistas, o Herbário Anchieta com 142.000 espécimes originários das coleções de Rick, Rambo e Sehnem, com os básicos disponíveis em rede mundial de herbários (figura 4, a Reserva Técnica da arqueologia, com catálogo digitalizado, on-line (figura 5), a correspondente sala de Memória Indígena (figura 6); também a sala de Memória Sacra, com esculturas missioneiras, estátuas, vestes, livros e objetos litúrgicos (figura 7). As vestes já foram digitalizadas, os livros sacros parcialmente. As Salas de Memória atendem as escolas da região e visitantes em geral.

O Colégio Anchieta, agora Av. Nilo Peçanha, em Porto Alegre, fez questão de conservar a coleção de Pio Buck em seu Museu de Ciências Naturais. E o Colégio Catarinense, em Florianópolis, mantém as coleções de João Alfredo Rohr, no museu que leva o nome do arqueólogo. Essas coleções são administradas pelos respectivos colégios e ficam à disposição de alunos, pesquisadores e visitantes.  

Com isto se cumpre o item do Estatuto, que fala de preservação, continuidade e utilidade das coleções. 

Outro item do Estatuto, a divulgação da pesquisa, não foi descurado. Em 1957 saiu o primeiro número anual de Pesquisas, Revista de Permuta Internacional, abrangendo os diversos campos de estudo. A partir do terceiro número, ela se desdobrou em séries: Botânica editou 75 números; Antropologia, 75 números; História, 30 números; Zoologia, 33 números. Foi criada ainda a série Arqueologia do Rio Grande do Sul, Brasil, Documentos, com 11, e Publicações Avulsas, com 12 volumes. As séries História e Zoologia foram absorvidas pela UNISINOS. Inicialmente impressa em papel, a revista passou a ser digital e os números anteriores estão sendo igualmente digitalizados.

A criação da Revista Pesquisas seguiu o caminho traçado por outros grupos de pesquisadores jesuítas. Assim, já em 1902, os jesuítas portugueses tinham fundado a revista Brotéria, na qual João Ev. Rick publicou seus primeiros estudos de Fungos e Líquens. 

No correr dos anos, os sócios do começo foram desaparecendo, o total dos jesuítas, contra as expectativas iniciais, diminuiu drástica e repentinamente, os especialistas migraram para a, então, jovem Unisinos. O Instituto foi-se encolhendo, mas continua vivo e atuante. Vencido o limiar da pandemia do Covid-19, como outros setores e instituições, ele merece uma reestruturação dentro da Universidade. 


Breve avaliação:

Olhando para trás, percebe-se que o Instituto nasceu e se desenvolveu num período de transição. Ele nasceu num grande colégio de jesuítas de formação ampla e geral; atendia a melhor sociedade urbana provincial; num período em que a produção de Ciência e Cultura passava dos colégios e dos Institutos Históricos para organizações acadêmicas universitárias; o cientista deixava de ser isolado, autodidata e exploratório e começava a ser treinado, para trabalhar em equipe, com metodologia controlada, problemas específicos de interesse supranacional; a revista regional, por não mais criar impactos frente aos  grandes periódicos digitais, em inglês, desapareceu, ou foi digitalizada; as coleções materiais foram digitalizadas e seus conteúdos, digitalizados,  colocados em redes mundiais.

A pergunta final: O Instituto Anchietano de Pesquisas representou algo e foi útil para a sociedade transicional desse tempo? Quem viveu toda a transição e nela se realizou como pessoa e como profissional da Ciência, responde: Representou e precisa continuar. 

 


Figura 2. Aqui, na beira do Rio dos Sinos, o Anchietano ficou 50 anos.

 


Figura 3. Sede atual do Anchietano, no Campus da UNISINOS.



Figura 4. A maneira como são guardadas as plantas no Herbário.

 


Figura 5. A maneira como são guardadas as amostras da Arqueologia.

 


Figura 6. Aspecto da Sala de Memória Indigena.

 


Figura 7. Aspecto da Sala de Memória Sacra.



Texto: Prof. Dr. Pedro Ignácio Schmitz 

Imagens: Acervo de Imagens Instituto Anchietano de Pesquisa