Nasci no distrito de Dr. Ricardo, munícipio de Encantado, descendente de italianos tanto de pai, como de mãe, sou a quarta e última filha do casal, convivi com eles até terminar na época o 5º ano primário. Terminada esta etapa, me mudei para a cidade de Encantado, onde fiz o exame de admissão e ingressei no ginásio, na escola Estadual Farrapos. Nesta ocasião fui morar com meus irmãos que trabalhavam e estudavam na cidade. Meu amor pela botânica já veio desde meus primeiros anos vividos na pequena cidade do interior, onde em minhas brincadeiras, muitas vezes sozinha, pois meus irmãos mais velhos já tinham outros interesses, era coletar tipos diferentes de folhas e flores e brincar de professora mostrando para alunos imaginários as diferenças entre uma e outra.
No ginásio, sempre tive mais afinidade com a disciplina de Ciências, mantendo o mesmo interesse durante o 2º grau, cursando o científico na Escola de 2º grau São Pedro, onde a disciplina da Biologia era minha favorita.
Comecei a trabalhar bastante jovem, quando ainda cursava o ginásio. Meu primeiro emprego foi na Malharia Petenatti, na cidade de Encantado, na função de tecelã. Tinha que acordar 5 horas da manhã e caminhar mais de meia hora para chegar ao local de trabalho, trabalhei ali por quase um ano. Após este tempo surgiu uma vaga na Cooperativa dos Suinocultores de Encantado, fui contratada para trabalhar no escritório de suprimentos da mesma, onde minha função era auxiliar de escritório. Nesta ocasião já estava cursando o científico, trabalhei lá por três anos.
Já havia concluído o então 2º grau e minhas expectativas eram de cursar uma faculdade. Nesta época, eram poucas as faculdades vigentes e a grande maioria ficavam muito distantes da minha cidade inviabilizando o meu ingresso. Fiquei um ano pensando e procurando por alternativas, pois não queria parar de estudar. Ainda não tinha certeza absoluta do que cursar, gostava muito de Nutrição, mas também tinha toda minha afinidade com a Biologia. Foi então, que em conversas com colegas de trabalho, surgiu a possibilidade de fazer o vestibular na UNISINOS. Estávamos no ano de 1975 e possivelmente para o período de aulas teríamos um ônibus saindo de Encantado com destino a São Leopoldo (UNISINOS), algumas vezes por semana, indo à tardinha e voltando no final do período das aulas. Então, eu e mais 2 colegas nos inscrevemos no vestibular, fizemos e iniciamos o período letivo de 1976, saindo de Encantado às 17:30 h e retornando por volta da 1:00 h da madrugada. Era bastante cansativo, pois trabalhava o dia todo, viajava, assistia as aulas e retornava. Neste primeiro semestre cursei duas disciplinas do Básico. Chegando o mês de julho, tirei férias e vim a São Leopoldo para cursar mais duas disciplinas no intensivo.
Durante o intensivo conheci algumas pessoas, uma delas havia trabalhado na UNISINOS e se propôs a me apresentar ao Superintendente Administrativo Sr. Claudio Rambo, para me candidatar a uma vaga de trabalho. Fomos ao encontro do Sr. Claudio e ele nos informou que não havia nenhuma vaga disponível naquele momento, mas que eu preenchesse uma ficha e ficasse aguardando. Terminei o intensivo, me matriculei na disciplina que ainda estava faltando para concluir o básico e voltei para minha cidade. No retorno, qual foi minha surpresa, não haveria mais ônibus para a UNISINOS, fiquei desesperada, pois não queria parar de estudar. Pedi uma dispensa no serviço e vim a São Leopoldo, fui direto procurar o Superintendente Administrativo, expus minha situação e ele então me disse, esteja aqui no dia 15 de agosto para fazer os exames médicos para ser admitida. Desta forma retornei à minha cidade, rescindi meu contrato de trabalho e literalmente peguei minha mala e cuia e me mudei para São Leopoldo.
Iniciei na UNISINOS em 18 de agosto de 1976, trabalhando no setor financeiro, como auxiliar administrativo. Trabalhei durante o primeiro ano na Antiga Sede da UNISINOS, no prédio que foi devastado pelo incêndio anos depois. Como o campus já estava em funcionamento a parte financeira foi transferida para lá também. Terminei o básico e ingressei no Curso de Ciências, que tinha diversas habilitações, entre elas, Biologia, Física, Matemática. Cursei antes o tronco comum das Ciências, para depois fazer a licenciatura plena em Biologia. As aulas ocorriam em turnos diversos, desta maneira eu ia jogando com meus horários de trabalho na Universidade.
Durante o curso meu contato com professores como Aloysio Sehnem e Ronaldo Wasum fizeram despertar cada vez mais o interesse e afinidades com a botânica. Minha primeira saída de campo foi realizada para Salvador do Sul com Sehnem e Wasum, onde ficamos hospedados numa cabana pertencente ao colégio dos padres existente lá. Percorremos muitos quilômetros junto com os dois mestres, coletando e recebendo muitas informações sobre as diferentes plantas da região.
Depois desta saída eu fui conhecer o Herbário PACA e fiquei ainda mais encantada pela possibilidade de trabalhar num local, que eu considerava mágico. Tentei junto ao Professor Ronaldo de alguma maneira trabalhar no Herbário como bolsista ou monitora, mas como tinha 40 horas no setor financeiro e mais as aulas, não tinha disponibilidade. Estava sempre atenta para a possibilidade de poder trabalhar em algo que estive ligado ao meu curso. Infelizmente esta oportunidade não aparecia, então como tinha feito um concurso para professora estadual, quando estava quase formada fui chamada, resolvi abrir mão de algumas horas na UNISINOS e fui dar aulas de Ciências na Escola Estadual Olindo Flores da Silva, na Scharlau, durante 6 anos.
Formatura do curso de Biologia- 1984
Já estava formada e ainda estava trabalhando no financeiro, quando em 1984, surgiu a oportunidade de eu trabalhar as horas que eu ainda tinha na UNISINOS no Instituto Anchietano de Pesquisas -Herbarium Anchieta, do qual o diretor era o Dr. Pedro Ignácio Schmitz e o curador do Herbário o Prof. Ronaldo Wasum. Então enfim, consegui entrar num setor ligado ao meu curso, e o melhor, ligado diretamente à botânica.
Meu trabalho inicial no herbário foi de muito conhecimento e experiências novas, nunca vivenciadas anteriormente. Datilografei durante praticamente dois anos, fichas de coleta de materiais depositados no herbário, herborizei milhares de exsicatas, guardava material, auxiliava o curador em todas as atividades. O prof. Ronaldo era uma pessoa muito alegre, dinâmica e carismática, me fez ficar cada vez mais apaixonada por aquele ambiente e aprender muito mais do que em todo tempo de curso. Ele organizava saídas de campo para coletas para várias regiões do estado, onde conheci muito da vegetação e suas associações. Estas saídas eram sempre muito alegres, trabalhávamos muito, mas tudo feito com descontração o que se tornava muito mais produtivo.
Nesta fase, eu sentia necessidade de produzir algo, queria muito pesquisar, queria muito fazer um mestrado, mas os mestrados em botânica ou biologia eram raros no estado. Havia o mestrado em Botânica na UFRGS, mas esta exigia dedicação exclusiva e eu não podia me dar ao luxo de sair do emprego para fazer um mestrado. Na UNISINOS não havia nenhum mestrado.
Em 1986, então iniciei um curso de especialização em Ecologia Humana, não era bem a área que eu queria, mas foi muito especial, professores de várias áreas do conhecimento, colegas de muitas cidades distantes, que vinham toda sexta-feira para o curso, pois as aulas eram sexta de noite e sábado de manhã, foi enriquecedora a troca de experiências.
Minha vida tomou um novo rumo em 1987, quando chegou ao Herbário o Pe. Josafá Carlos de Siqueira, vinha da PUC-RJ para passar uma temporada conosco no Instituto Anchietano de Pesquisas. Pe. Josafá tinha mestrado em Botânica e estava fazendo doutorado, se dispôs a me orientar em trabalhos científicos na área de taxonomia vegetal e assim comecei meus trabalhos nesta área e já em 1988, publiquei meu primeiro trabalho intitulado: ‘Estudo taxonômico das espécies dos gêneros Celtis e Trema (Ulmaceae) no Rio Grande do Sul’. Muitos outros trabalhos foram realizados em parceria e orientação do Pe. Josafá. E cada vez mais eu sentia a necessidade de um mestrado, mas as coisas não eram tão simples e a UNISINOS não possuía nenhum mestrado ainda.
Em 1990, após minha licença maternidade, consegui a cedência do Estado para o herbário com as 20 horas, aumentando novamente minhas horas na universidade, realizando mais e mais trabalhos em conjunto com o Pe. Josafá.
Em 1992 fui designada curadora do Herbário PACA, substituindo o Prof. Ronaldo que já estava morando e trabalhando na Universidade de Caxias do Sul. Na sequência foram anos de muito trabalho nas coleções, herborizando material, digitando os dados em um banco de dados, recebendo pesquisadores, professores e alunos, contando somente, por muito tempo, com um bolsista de 20 horas para me auxiliar.
Trabalho em conjunto com Pe. Josafá
Em 1996, a UNISINOS me propôs sair do Estado e voltar as 40 horas, ou seja, com o tempo integral no herbário. Neste mesmo ano, começavam os rumores no antigo Centro 2, de quererem iniciar um curso de mestrado na Biologia. Os trâmites legais para formalização e aprovação do Mestrado levaram aproximadamente 3 anos. No final de 1999 foi aprovado e aberta a seleção para o Mestrado em Biologia: ‘Diversidade e Manejo de Vida Silvestre’. Neste ano chegou na Universidade o Prof. Dr. Paulo Günter Windisch, vindo da UNESP, especialista em Pteridófitas. Eu conhecia o Prof. Paulo anteriormente, pois inúmeras vezes ele visitou nosso herbário. Com a sua chegada fui procurá-lo, pois ele faria parte do corpo docente do mestrado e era um dos possíveis orientadores. Mesmo sendo sua área de atuação diferente da que eu pretendia trabalhar no meu mestrado, ele abraçou a causa e aceitou em me orientar com taxonomia e fitogeografia de dois gêneros de Amaranthaceae para o Brasil.
Em 2000, comecei o mestrado. Inicialmente foi um pouco complicado, pois fazia muitos anos que não estudava mais, e também por não ter me afastado do trabalho, mas devagarinho tudo foi se encaixando.
O Prof. Paulo não foi só um orientador, foi um amigo, que me incentivava muito a participar de Congressos, me apresentando a numerosos pesquisadores nacionais e internacionais, conseguia bibliografias difíceis de encontrar, abrindo muitas portas de contatos que até hoje me são extremamente importantes. Pude também contar com a essencial coorientação do Dr. Josafá Carlos de Siqueira, parceiro e amigo de longa data.
Fui uma das primeiras da minha turma a defender a dissertação em dezembro de 2001, intitulada: ‘Diversidade, padrões de distribuição geográfica e estado de conservação dos representantes dos gêneros Froelichia Moench e Froelichiella R.E. Fries (Amaranthaceae) no Brasil’. Tendo obtido a nota máxima (dez), resultando desta a publicação três artigos em revistas especializadas.
Defesa da dissertação- 2001
Meu trabalho no herbário continuou concomitantemente com o mestrado, atendendo inúmeros pesquisadores, professores e alunos. Nesta época tinha como colega o biólogo Julian Mauhs, tivemos vários projetos em conjunto, fizemos muitas excursões em campo, que resultaram em várias publicações. Tivemos também bolsistas vinculados aos projetos, que nos davam um suporte especial para a conservação das coleções.
Coletas nos Campos de cima da Serra
Com o mestrado veio o firme propósito de seguir com os estudos e fazer o doutorado, fiquei aguardando que a UNISINOS nos oferecesse o doutorado em Biologia, mas foram passando três anos e nada, então comecei a correr atrás de outros lugares em que eu pudesse fazer e onde fosse possível, sem eu sair da UNISINOS. Surgiu na UFRGS a oportunidade de fazê-lo, entrei no doutorado em março de 2005, sob a orientação da Dra. Silvia Teresinha Sfoggia Miotto e coorientação do Dr. Josafá Carlos de Siqueira. Foi um período bastante intenso, com aulas, muitas viagens de coletas, atender o herbário, a família, mas também foi uma fase de muito crescimento, conhecimento, mudanças.
Coletas em Minas Gerais-2007
Mesmo atendendo tantas coisas junto com o doutorado, fui a primeira aluna da minha turma a defender o doutorado com a tese intitulada: ‘Os gêneros Hebanthe Mart. e Pfaffia Mart. (Amaranthaceae) no Brasil’, em 11 de julho de 2008 com o conceito “A”. Foi um dia muito especial na minha vida, a concretização de um sonho acalentado por muitos anos. Como resultado da tese tive seis trabalhos publicados em revistas especializadas.
Banca da Tese de Doutorado-2008
Tornei-me uma especialista nas famílias Amaranthaceae, Microteaceae, Phytolaccaceae, tendo publicado numerosos trabalhos em revistas especializadas nas áreas de taxonomia, conservação e fitogeografia.
Desde a conclusão do doutorado, participo de numerosos projetos e mantenho a curadoria do herbário; seguem alguns: Flora do Brasil 2020; Lista da Flora ameaçada de extinção do RS e do Brasil; Lista das plantas ameaçadas do Espirito Santo; Listagem das plantas da Mata Atlântica; Flora das Caatingas do Rio São Francisco; INCT – Herbário Virtual da Flora e dos Fungos; Flora de Santa Maria; Flora do Campus UNISINOS.
Tive também projetos aprovados e executados por algumas fontes financiadoras tais como: FAPERGS: Modernização do Herbário Anchieta; Análise da ocorrência de espécies ameaçadas de Amaranthaceae Juss. no Rio Grande do Sul. CNPq: Informatização e modernização do Herbário Anchieta- PACA; INCT – Herbário Virtual da Flora e dos Fungos (2018- atual). UNIBIC: Fenologia das espécies arbóreo-arbustivas em mata arenosa da restinga no Litoral Central do Rio Grande do Sul; Estudo taxonômico e considerações fitogeográficas do gênero Pfaffia Mart. (Amaranthaceae) no Brasil; Análise fitogeográfica das fanerógamas no Rio Grande do Sul: I- Amaranthaceae; Análise fitogeografia das fanerógamas no Rio Grande do Sul: II Caryophyllaceae e Phytolaccaceae; Análise fitogeografia das fanerógamas no Rio Grande do Sul: III Nyctaginaceae; Taxonomia e fitogeografia da família Acanthaceae no Rio Grande do Sul.
Coletas no Litoral, plantas ameaçadas do RS
Ao longo dos anos consegui parcerias com diversas instituições como: Department of Higher Plants, Biological Faculty, Lomonosov Moscow State University; Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP; Universidade Federal de Minas Gerais; Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Universidade FEEVALE; Universidade de Brasília - UNB; Instituto Federal Farroupilha, São Vicente do Sul, entre outras.
No decorrer da minha carreira de botânica ocupei vários cargos tais como: Secretaria da Rede de Herbários do Rio Grande do Sul: 1997-2000; Coordenadora da Rede de Herbários do Rio Grande do Sul: 2002-2006; Conselheira da Rede de Herbários do Rio Grande do Sul: 2006-2011; Vice diretora Regional do RS da Sociedade Botânica do Brasil: 2010-2012; Coordenadora da Rede de Herbários do Rio Grande do Sul: 2012-2014; Vice coordenadora da Rede de Herbários do Rio Grande do Sul: 2015-atual; Editora assistente da revista Pesquisas, Botânica: 2008-atual.
Sou revisora de numerosos periódicos como: Rodriguésia, Boletín de la Sociedad Argentina de Botánica; Iheringia. Série Botânica; Brazilian Journal of Biology; Check List, entre outros.
Participei também de mais de 30 bancas de doutorado, mestrado e graduação em diversas instituições de ensino e pesquisa.
Atualmente me mantenho ativa na curadoria do herbário, recebendo a visitas de pesquisadores de diferentes instituições de ensino e pesquisa, que utilizam o acervo para desenvolver trabalhos técnicos, monografias de conclusão de curso, dissertações e teses. Também informando a comunidade acadêmica e científica todo o valor das nossas coleções, disponibilizando os dados online, mantendo-os atualizados constantemente, desta maneira, proporcionando a realização de inúmeros trabalhos científicos. Ainda executo alguns projetos, mesmo com pouco tempo para estes, pois zelar por uma coleção de 143.000 exemplares, é uma tarefa bastante intensa. Constantemente sou consultada para identificar material das famílias que sou especialista, auxiliando desta maneira muitos alunos e/ou pesquisadores em seus projetos de pesquisa.
Texto e fotografias: Dra. Maria Salete Marchioretto