quarta-feira, 19 de junho de 2019

Uma Segunda Colonização jesuítica Ultramontana no Sul do Brasil entre os sécs. XIX e XX

O trabalho

Este trabalho, que foi apresentado no evento “Pesquisa + Unisinos”, está inserido no projeto “Memória Sacra na Missão e Província Jesuítica do Sul do Brasil”. O referido, tem por objetivo fazer uma nova análise da ação dos jesuítas espanhóis e alemães na Província de São Pedro do Sul dos séculos XIX e XX, problematizando as informações encontradas na literatura clássica e analisando o material do acervo de Memória Sacra, disponível no IAP (Instituto Anchietano de Pesquisas). Queremos compreender a relação entre o catolicismo ultramontano dos Jesuítas Espanhóis e Alemães com o catolicismo popular encontrado na Província de São Pedro do Sul entre os séculos XIX e XX.  

Utilizaremos para este trabalho a revisão bibliográfica em livros clássicos, bibliografias recentes (Ex.: História das Casas do Pe. Inácio Spohr) e, além disso, consultaremos alguns documentos encontrados recentemente no Instituto Anchietano de Pesquisas, que estão compondo o acervo Pe. Jaeger (ainda em construção).

Através destes documentos e dos materiais sacros-litúrgicos presentes no acervo de Memória Sacra, far-se-á uma reflexão e problematização sobre as relações entre o catolicismo jesuítico e o catolicismo popular gaúcho entre os sécs. XIX e XX. 

Uma segunda colonização

Teremos aqui, como ideia, uma segunda colonização jesuítica (tendo em vista que a primeira seria a colonização católica jesuítica missioneira, findada com a perseguição pombalina), no sentido de organização religiosa, cultural e de formação intelectual-social.
Quando os primeiros jesuítas chegam a Província deparam-se com diferentes realidades, dentre elas:
  • Ignorância religiosa por “abandono” do clero secular.
  • Formação de uma religião popular com a criação das confrarias e ordens terceiras populares, não seguindo o regimento católico romano.
  • Falta de letramento e intelectualidade por parte dos colonos, tendo em vista que estes não tinham grandes colégios ao seu dispor.
  • Falta de casas de formação para clérigos, no Sul do Brasil. 

Deparando-se com esta realidade inicia-se um processo de reerguimento da sociedade, seja religiosa ou civil, através de uma segunda colonização, com valores e regras oriundos da Europa católica e do ultramontanismo jesuítico.
§  Criam-se os seminários
§  Se reestabelecem valores católicos, vivendo a normativa romana.
§  Retoma-se a vida sacramental.
§  Excluem-se com os eventuais “pseudos-sacerdotes” nas colônias alemãs.
§  Iniciam-se as escolas paroquiais.
§  Exige-se o letramento para recepção dos sacramentos. 


Uma colonização “ultramontana”



O ultramontanismo, no século XIX, se caracterizou por uma série de atitudes da Igreja Católica, num movimento de reação a algumas correntes teológicas e eclesiásticas, ao regalismo dos estados católicos, às novas tendências políticas desenvolvidas após a Revolução Francesa e à secularização da sociedade moderna. (SANTIROCCHI, 2010, p. 1)


Entenderemos como uma ação jesuítica ultramontana, o processo de romanização do catolicismo popular presente no estado entre os sécs. XIX e XX.

A realidade católica no Rio Grande do Sul, como demonstrada na carta do Presidente Provincial datada de 1º de fevereiro de 1841, em relação ao colégio de clérigos seculares, não era nada bela. A inconstância moral e a preocupação com poderes e riquezas predominavam na mente dos “parochos” da época. Motivo talvez importante para um fortalecimento do catolicismo popular na província. Como nos mostra os trechos da carta, disponíveis a seguir:

Para leitura, clique na imagem.
Neste primeiro trecho o presidente provincial nos remota a situação religiosa do estado, colocando que a religião cristã “parece estar inteiramente amortecida”. A seguir, apresenta o motivo deste amortecimento religioso que, segundo ele, tem causado tantos males ao estado.

Para leitura, clique na Imagem.
Segundo tal documento a crise religiosas se dá pela má preparação dos curas, ou seja dos sacerdotes, pelo seu interesse em poder e pelo abandono das causas de fé, deixando o povo órfão da Igreja, entrando em um “caos de todas as corrupções de costumes” e continua, “conservando a penas algumas práticas do cristianismo como vestígio de sua antiga crença”. Tais práticas nada mais são que o catolicismo popular fomentado no meio dos leigos na época. Na perspectiva alemã, os pseudos-sacerdotes (“Laiengottesdienst”) e na perspectiva portuguesa açoriana, as confrarias, irmandades e ordens terceiras. Com o fortalecimento destas realidades de religiosidade popular, o catolicismo românico, com suas regras de conduta, dogmas, liturgias, sacramentos, vai se perdendo no meio do povo, dando espaço a estas vivências populares da fé.

Resume bem isso, Tavares, quando diz:

Se por um lado, era precário o estado eclesiástico, devido a inexpressiva presença de párocos, no Rio Grande do Sul, especialmente em Porto Alegre, em função das distâncias, principalmente da sede do Bispado, que até meados do XIX ficava no Rio de Janeiro, por outro, as irmandades estiveram presentes, desde cedo, na vida da população para suprir suas necessidades religiosas. (TAVARES, 2007, p. 34)

Com a chegada dos jesuítas, que trazem consigo uma cultura religiosa ultramontanista, em território sulino e com o levantamento das primeiras paróquias por estes religiosos, inicia-se a percepção de que haveriam dificuldades em retomar o fervor do catolicismo tradicional no meio destes povos.  Como diz Schimitz:

Os jesuítas encontravam dificuldades em transformar as famílias lusas da paróquia no modelo que traziam da Alemanha: poucos falavam sua língua e não compreendiam sua religiosidade. Esta se tinha formado num tempo em que a população estava dispersa pelas fazendas, a paróquia era atendida por um isolado sacerdote tradicional [...].  
(SCHMITZ, 2017, apud, SPOHR, 2017, p. 7)

E segue:

Eles (os jesuítas) vinham afiados na doutrina do Concílio de Trento, procediam de paróquias estruturadas e eram muito conscientes de sua catolicidade frente a expansão protestante e o liberalismo veiculado pela maçonaria. [...] compensavam o insucesso com a população lusa com os altos resultados conseguidos nas picadas dos imigrantes, que rapidamente se foram transformando em outras paróquias, nas quais o sistema trazido da Europa funcionava satisfatoriamente.  (SCHMITZ, 2017, apud, SPOHR, 2017, p. 8)

Não são poucos os relatos, encontrados em cartas, de jesuítas reclamando suas decepções enquanto aos seus trabalhos apostólicos, principalmente em meio aos lusos, que, talvez por terem ficados imersos mais tempo que os alemães em um catolicismo popular, tinham maior dificuldade com o catolicismo tradicional vindo junto aos jesuítas, como mostrado no trecho a seguir:

O fruto do nosso trabalho apostólico não correspondeu aos nossos justos desejos, excetuando os colonos alemães nas colônias adjacente. Os lusos evitam a igreja e toda a instrução religiosa e se retraem dos sacramentos. Há muita ignorância religiosa e superstição. Não é permitido ensinar a doutrina cristã nas escolas. Quase a única consolação é que a maioria, ao chegarem a morrer, chamam os padres para receber os sacramentos. (SPOHR, 2017, p. 39)

Considerações parciais

Com a pesquisa, que ainda se encontra em fase inicial, concluímos, até o momento, que o ultramontanismo se fez muito presente na ação jesuítica na província sulina entre os sécs. XIX e XX, e que houveram conflitos e divergências entre religiosos e leigos, principalmente na forma de se praticar o catolicismo. O ultramontanismo jesuíticos se faz provar na rigorosidade de seguimento das normativas litúrgicas, fato passível de observação quando em contato com o acervo de materiais sacros, oriundos de casas e paróquias jesuíticas, disponíveis no Instituto Anchietano de Pesquisas. Tais materiais serão, pouco a pouco, disponibilizados no site do Instituto, iniciando com os Missais. 

Referências Bibliográficas 

AZEVEDO, Ferdinand. Jesuítas Espanhóis no Sul do Brasil (1824 -1867). São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas, série história n.24, 1984.
BOHNEN, A.; ULLMANN, R.A. (coord) A atividade dos Jesuítas em São Leopoldo (1844-1989). São Leopoldo: Unisinos. 1899.
FORTES, Amyr B.; WAGNER, João B. S.. História administrativa, judiciaria e eclesiástica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1963.
LUTTERBECK, Jorge A..  Jesuítas no Sul do Brasil. São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas, Publicações avulsas n.3, 1977.
MACHADO, Francisco A. Circular que o Presidente da Província do Rio Grande de S. Pedro do Sul dirige aos Parochos da mesma. 1841. Localizado em: Instituto Anchietano de Pesquisas (Unisinos).
RAMBO, Arthur B.. Jesuítas no Sul do Brasil: O projeto pastoral. São Leopoldo: Unisinos, 2013.
ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora Globo, vol. I e II, 1969.
SCHUPP, Ambros. A missão dos jesuítas no Rio Grande do Sul. Trad.de Arthur Bl. Rambo. São Leopoldo: Unisinos, 2004.
VILLARRUBIA, Santiago Luís. Relato histórico das atividades jesuíticas no período final dos farrapos (1842 a 1845). Traduzido por AZEVEDO, Ferdinand. Localizado em: Instituto Anchietano de Pesquisas, acervo Pe. Jaeger.  
TAVARES, Mauro D. Irmandades religiosas, devoção e ultramontanismo em Porto Alegre no bispado de Dom Sebastião Dias Laranjeiras (1861-1888). Dissertação de Mestrado (Mestrado em História) – Departamento de Ciências Humanas, UNISINOS, São Leopoldo – RS.
SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Uma questão de revisão de conceitos: Romanização – Ultramontanismo – Reforma. Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG, vol. 2, n.º 2, 2010.
SPOHR, Inácio. História das casas: Um resgate históricos dos jesuítas no sul do Brasil. Porto Alegre: Ed. Padre Reus, 2017.

Texto e imagens: Gabriel Azevedo de Oliveira
Instituto Anchietano de Pesquisas