segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

As vestes litúrgicas da Igreja Católica

As vestes e outras alfaias usadas pelos sacerdotes e seus auxiliares nas celebrações litúrgicas da Igreja Católica têm origem antiga, desde quando o cristianismo foi declarado religião oficial no Império Romano, a partir do século IV.

Antes do Concílio Vaticano II o sacerdote, quando celebrava a Missa, vestia uma túnica, a veste básica dos homens naquele tempo, branca, ritual; por cima uma estola, símbolo do poder sacerdotal; um manipulo no braço esquerdo, resquício de uma toalha como a do garção para a limpeza do altar e das mãos; por cima, uma casula, um antigo abrigo. Para as bênçãos e outros rituais solenes, em lugar da casula, vestia uma grande capa com capuz (capa de asperges, ou de aspersão). Para o momento da bênção com o Ostensório com o Santíssimo, ainda cobria os ombros, os braços e as mãos com o véu de ombros. 

Para ritos mais simples, como batismo, confissão, viático para doente, bênção particular, o sacerdote usava, em cima da batina preta do dia-a-dia, apenas uma sobrepeliz, e a estola.

Antes do Concílio, as celebrações eucarísticas eram individuais, presididas por um sacerdote. Nas celebrações solenes, por ocasião de grandes festas, ele podia estar acompanhado por um diácono e um subdiácono. Eles, em lugar da casula, vestiam a dalmática, originária de um abrigo usado pelos antigos Dálmatas do tempo do Império Romano. Nas celebrações particulares ele era acompanhado por um ou dois acólitos. 

O sacerdote celebrava na frente do povo, como seu líder ou representante, voltado para o altar e a cruz; a comunidade reunida o seguia por trás. Esta posição marcava as vestes, fazendo que os símbolos principais que as identificam estejam nas costas do celebrante e não na sua parte frontal. Depois do Concílio a posição de celebrante mudou; agora ele celebra com a sua comunidade, voltado para ela, ou cercado por ela.

A estrutura e forma das vestes litúrgicas estão fortemente marcadas pelo ambiente e o tempo em que nasceram, o Império Romano em seu esplendor, quando o cristianismo tornara sua religião oficial e o sacerdote ocupava uma posição destacada na estrutura social, ao nível do cidadão romano ou mesmo do senador. As vestes originais de classe foram assumindo caráter sagrado, reservado para a liturgia e assim garantiram sua perenidade. 

A casula, que era a veste usada na celebração diária da Eucarística, tinha forma retangular na parte das costas (voltada para o povo) e ovalada na frente, deixando liberdade para movimentar os braços; é conhecida como forma romana, ou também, em violão. Mais tarde surgiu a forma gótica, do tamanho da romana, mas em estilo ovalado, que, em tempos modernos, cresceu para envolver o corpo todo do celebrante. A forma romana praticamente desapareceu.

A capa de asperges era, em realidade um grande poncho com capuz. O capuz perdeu sua função de abrigo da cabeça e serve agora como local dos principais símbolos da veste.

O manípulo, que se originara de uma toalha, usada no braço esquerdo, para o serviço do altar, em que se manipulava pão e vinho, perdeu o sentido quando estas espécies se miniaturizaram e, depois do Concílio, deixou de ser usado. No ritual sobrou uma lavação simbólica das mãos após esta manipulação.

O tecido das vestes era produzido especialmente, usando vários materiais e técnicas para lhe darem destaque e brilho. A fibra vegetal usada predominantemente podia ser substituída por fio metálico, ouro, prata ou semelhantes para lhe dar maior importância e esplendor. Os símbolos cristãos das primeiras comunidades cristãs, que lhe imprimiam valor litúrgico, podiam ser produzidos na trama do tecido ou acrescentados a ele por pintura, bordado, encaixe etc. 

Estes símbolos básicos são os da paixão, morte e ressureição de Jesus e os da celebração eucarística. Os da paixão são a cruz, a cabeça de Jesus coroada de espinhos, a flor-da-paixão (passiflora, ou maracujá), na qual se percebia a cruz, os cravos e a coroa de espinhos e a Mãe Dolorosa. Os da Eucaristia são o cesto com pão e o peixe, espigas de trigo, cachos de uva e ramos de videira, o cálice e a hóstia.

Com o tempo foram acrescentados outros símbolos a partir de novas percepções e definições religiosas. A variação também acompanha a celebração a ser feita. 

As cores usadas nas vestes são indicativas e simbólicas. Branco é usado para as liturgias de Jesus, de Maria, dos anjos, dos santos que não são mártires. Vermelho é usado em dias da paixão do Senhor, na festa do Espírito Santo, dos santos mártires. Roxo, na quaresma e no advento, hoje também para rituais fúnebres, em substituição ao preto. Verde, nos dias em que não há nenhuma comemoração especial ou festa. A cor preta não se usa mais. A mesma cor é usada em todas as vestes e outras alfaias da liturgia do dia.

Do material da reserva técnica foram classificadas, e fotografas em alta precisão, e tombados, até agora, 142 casulas romanas, 82 casulas góticas, 16 dalmáticas, 20 capas de asperges, 13 véus de ombros, 166 manípulos, 320 estolas. Existem ainda outras alfaias. Você pode ver tudo isto em nossa página. 


Figura 1. Casula romana em veludo vermelho, com a representação do Espírito 

Santo.



Figura 2. Casula romana roxa, tecido estampado, com a cruz e o nome de Jesus Cristo.



Figura 3. Casula romana roxa, tecido liso aveludado, com Jesus Cristo Crucificado cercado por ramos de passiflora (maracujá).



Figura 4. Maria, Mãe das Dores, em casula roxa.



Figura 5. Casula romana branca, tecido liso, com imagem e simbologia de Maria Imaculada.

 


Figura 6. Casula romana em fio metálico, com símbolo de Maria Imaculada no recorte.



Figura 7. Dalmática vermelha.



Figura 8. Casula gótica em tecido tramado rosa.



Figura 9. Casula gótica, em tecido tramado verde.



Figura 10. Capa de asperges em fio metálico, com floral bordado. Costas.


Figura 11. Capa de asperges em tecido metálico, com floral bordado. Frente.

 


Figura 12. Capuz de capa de asperges, preta, com símbolos de ressurreição.



Figura 13. Véu de ombros, branco, com símbolo do nome de Jesus


Texto: Dr. Pedro Ignácio Schmitz

Imagens: Acervo IAP

sábado, 12 de dezembro de 2020

UM ESPAÇO PARA RECORDAR: O ESPAÇO DE MEMÓRIA SACRA DO INSTITUTO ANCHIETANO DE PESQUISAS

 Nos é conhecida a realidade da fé em todas as sociedades humanas, sejam as mais antigas tribos e grupos sociais até as mais modernas sociedades contemporâneas. A fé, seja ela qual for, acompanha a sociedade em toda a história de sua formação e faz-se algo primordial, principalmente quando pensamos a formação da sociedade ocidental. 

A memória de um povo faz parte da formação identitária do mesmo e não pode ser esquecida, sejam elas boas memórias ou não tão boas assim. Neste sentido é primordial preservarmos a memória de uma realidade que fez parte da formação do nosso território gaúcho, a realidade sacra, a história jesuítica do sul do país. É inegável que os missionários jesuítas tiveram uma importância ímpar no território sulino. Seja no período das reduções jesuíticas ou na vinda dos colonos alemães e por consequência dos jesuítas de língua alemã, a importância desta congregação no sul do país é indubitável. 

O Espaço de Memória Sacra mantido pelo Instituto Anchietano de Pesquisas traz em si a função de fazer memória. Comporta diversas possibilidades de narrativa, seja sobre as histórias das reduções –através da arte barroca missioneira preservada no espaço-, seja sobre o catolicismo vivido pelos imigrantes alemães -através dos objetos que pertenceram às casas de jesuítas formadas posteriormente à chegada dos imigrantes no intuito de atendê-los espiritualmente-, ou até mesmo na perspectiva de uma história eclesiástica e litúrgica global do período tridentino. 


Fazer e preservar a memória destas realidades sulinas é não negar o caminho percorrido na formação de nossa identidade e preservar o que era muito caro aos nossos antepassados, a fé. Neste tempo pandêmico queremos trazer um pouco do que este espaço contém, para que façamos memória da nossa história e entendamos a importância da preservação daquilo que a compôs. 


Em várias postagens pretendemos apresentar o espaço da Memória Sacra e de materiais nele apresentados ou guardados: esculturas missioneiras, vestes e livros da liturgia católica.



Figura 1. Panorâmica I do espaço de Memória Sacra.


Figura 2. Panorâmica II do espaço de Memória Sacra.


Figura 3.  A principal finalidade do espaço de Memória Sacra é a ligação entre Universidade e Comunidade.


Figura 4: Altar do antigo Seminário Central de São Leopoldo com imagens (em gesso) de três santos jesuítas: Santo Inácio de Loyola, São

Francisco Xavier e Santo Afonso Rodriguez. 


Figura 5. O Crucifixo em estilo Barroco, que estava num outro altar.


No espaço de Memória Sacra estão expostas 12 esculturas missioneiras, em madeira, representando uma o Cristo na Cruz; três, São Miguel; duas Santo Inácio; uma, Maria Imaculada; uma Santo Izidro lavrador; uma, o Bom Pastor; uma, São Luiz; uma, São Francisco Xavier; uma, Cabeça de Anjo; além de um fragmento desconectado de veste.


Elas foram recolhidas por historiadores jesuítas no primeiro quartel do século XX, preservadas em casas jesuíticas e restauradas no início do século XXI. São amostras da estatuária missioneira dos Sete Povos.


Algumas parecem ter sido importadas completas da Europa, outras poderiam ter sido esculpidas por artistas locais, religiosos ou índios, algumas são mistas, as cabeças e as mãos trazidas de ateliês europeus e os corpos esculpidos localmente. As grandes reduções tinham seu ateliê próprio de escultura e pintura, coordenados por artistas religiosos e atendidos por mão-de-obra artesanal indígena. Neles foram produzidos alguns milhares de esculturas para fins religiosos, de acabamento variado, conhecido como barroco jesuítico.


Apresentamos umas poucas amostras:


Figura 6. A primeira, Maria Imaculada missioneira (madeira); a segunda, Maria Imaculada (gesso), de produção local, para comparação. 




Figura 7. São Miguel Arcanjo, missioneiro.


Figura 8. Pormenor da cabeça. 


Figura 9. A cabeça de outro São Miguel Arcanjo, missioneiro.



Figura 10. A cabeça de mais um São Miguel Arcanjo, missioneiro.

Figura 11. Santo Inácio Loiola, missioneiro.


Figura 12. Pormenor da cabeça.


Figura 13. A cabeça de outro Santo Inácio de Loiola, missioneiro.


Figura 14. O pastor de um presépio, ou Jesus o Bom Pastor, missioneiro.


Texto: Prof. Dr. Pedro Ignácio Schmitz e Gabriel Azevedo de Oliveira

Imagens: Acervo do Instituto Anchietano de Pesquisas