quarta-feira, 29 de março de 2017

Arqueologia: uma experiência de vida

            Me chamo Jefferson Nunes, tenho 24 anos, desde 2014 sou estudante do curso de Licenciatura Plena em História, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), e desde o segundo semestre do mesmo ano, tive a oportunidade de entrar para a equipe do Instituto Anchietano de Pesquisa, como bolsista de iniciação científica, sob orientação do Dr. Pedro Ignácio Schmitz.
            Nesse período, tenho podido conhecer melhor o trabalho e a prática arqueológica, através de leitura de bibliografia do tema, estudo de material em laboratório, compilação e análise dos dados no computador, apresentação de trabalhos em eventos, atendimento a alunos de escolas, que vem visitar nossos espaços de memória sacra e indígena, e a escavação em Casas Subterrâneas, sempre no mês de Janeiro de cada ano.
           As escavações, particularmente, foram, para mim, experiências fundamentais no conhecimento da Arqueologia, pois me permitiram o contato direto com o material em seu local de abandono, e o conhecimento do ambiente em que foi constituída toda a forma de vida dos povos que estudamos através de sua cultura material.
            É através da escavação que tem se formado meu “ser arqueólogo”, a compreensão plena de tudo o que envolve a experiência arqueológica, e que vai muito além dos clichês e pré-conceitos do senso comum. Somente no campo tive a chance de ver que a Arqueologia não é só composta por trabalho em laboratório com vestígios materiais e a construção de hipóteses com base nos dados, mas também é composta pelo calor, pelas pancadas de chuva súbitas que nos obrigam a parar a escavação temporariamente, pelos mosquitos e mutucas que insistem em se aproximar mesmo com o uso de repelente, pelos eventuais animais peçonhentos que se aproximam do sítio, pela sujeira e cansaço no final da jornada diária (especialmente após uma chuva).

Desvendando o mundo através da escavação: eu no buraco.

               Também faz parte da experiência a convivência próxima e constante com os colegas (que pode gerar conflitos inevitáveis) e moradores da cidade, a alimentação e as horas de descanso, muitas vezes permeadas por debates e conversas com os colegas sobre temas variados, que permitem conhecer outras pontos de vista e ampliar conhecimentos; os debates sobre o avanço da escavação e os imprevistos que obrigam a mudança dos rumos originais do trabalho; os achados inesperados nos cortes, que animam e motivam o seguimento do esforço; o aprendizado com as moradores simpáticos que, através de um cafezinho (ou de um churrasquinho “louco de especial”) e de uma conversa simples e descontraída, nos permitem conhecer melhor a hospitalidade local.
            No contexto dos sítios, a escavação me possibilitou ver além do que os artefatos me disseram somente em laboratório. Ao ver o ambiente em que as Casas Subterrâneas foram construídas, mesmo que alterado ao longo do tempo de abandono, consegui entender melhor a forma como os índios dessa região se estabeleceram, e como deve ter sido sua relação com o ambiente durante a ocupação, já que as casas nunca estão muito longe de algum curso d’água ou banhado, nem de afloramentos de basalto.
Na escavação desse ano, especialmente, tivemos a chance de visitar um sítio composto por 3 aterros plataformas, que fora escavado pelo IAP há alguns anos, mas, à época, estava coberto por uma floresta de pinus. Nesse ano a floresta fora cortada, e pudemos ter uma visão completa do local. Enquanto andamos pelo campo e subimos nas estruturas, fiquei impressionado pelo esforço que deve ter envolvido a construção dos aterros, demonstrando o poder e força do povo que ali viveu, além da estabilidade necessária para deslocar pessoal suficiente para o trabalho.
O entorno mais plano, em cima de uma elevação de terreno, devia proporcionar uma visão bela e privilegiada das redondezas, e, com certeza, o local não foi escolhido por acaso. A falta de Casas Subterrâneas ou outras estruturas nos arredores dos aterros deixou claro para mim que esse era um local especial para os índios que ali viveram. Conforme andávamos pelo local, senti cada vez mais forte uma sensação de reverência pelo local, percebendo a força e a sacralidade que emanam dali, e o quão importe o local deve ter sido na época de sua ocupação.
Aquele não era só um lugar de trabalho com terra, mas um local de cremação e veneração aos antepassados da tribo, ponto de encontro para funerais, festas, rituais, enfim, um centro de atividade e convivência importante, como uma igreja para nós hoje. É uma marca na paisagem, mas, igualmente, uma prova indelével da vitalidade da cultura Jê que ali habitou.
Com experiências desse tipo, o trabalho de campo surge como mais que os olhos podem ver, e a Arqueologia não me aparece mais simplesmente como um campo de saber estanque e engessado no sentido acadêmico, mas ganha vida, corpo e vitalidade, agregando a comunidade ao arqueólogo, permitindo conhecer outras realidades e perspectivas, nos tornando seres humanos melhores, mais conscientes do esforço dos índios para construir sua cultura ante um mundo em permanente mudança, e mais aptos para reconstruir a história desses povos, que também é a nossa.
Por isso, acredito que Arqueologia é muito mais que uma experiência de estudo e trabalho, ela é, acima de tudo, uma experiência de vida, eminentemente humana.

Texto: Jefferson Nunes
Imagem: Vagner Perondi


sexta-feira, 17 de março de 2017

Escavando uma ‘casa subterrânea’ no planalto de Santa Catarina

A casa 5 do sítio arqueológico SC-CL50 aparecia como uma rasa calota de esfera de 10 x 9,5 m com 1,5 m de profundidade, numa plantação de pinus, sobre uma ondulação do terreno, que se inclina suavemente em todas as direções. Ela dista uns 50 m do sítio SC-CL-51 composto por 6 casas subterrâneas e outro tanto das outras 4 casas do sítio SC-CL-50. O interior e entorno imediato da casa estavam sem vegetação, além do pinus.
A casa foi inicialmente limpa da palha do pinus e foi instalado um canteiro de 3 x 2 m, que cobria o centro da casa e avançava sobre a parte baixa da parede.
Os sedimentos foram removidos sem mover os objetos, que foram numerados peça por peça, registrados em planilhas e fotografados. A cerâmica, o lítico e o carvão, assim identificados, foram guardados em sacos plásticos etiquetados. O perfil foi desenhado e fotografado. Concluído o trabalho, a casa foi recomposta deixando-a como a encontramos.
A intervenção esteve a cargo de Raul Novasco e Suliano Ferraço, com alguma colaboração de Ranieri Rathke e se estendeu de 03 a 27.01.2017.
A casa teve uma ocupação, pela primeira metade do século XVII, como as casas vizinhas e deixou para trás recipientes cerâmicos quebrados e alguns artefatos em pedra.  Na preparação da casa, os construtores deram rapidamente num bloco rochoso inamovível que eles aproveitaram juntando outros blocos para formar um raro piso de pedra no centro da casa.

As fotos mostram a sequência das ações dos arqueólogos:

Foto 1. A instalação do canteiro

Foto 2. Os fragmentos de uma panela abandonada por ocasião do abandono da casa
Foto 3. O material do final da ocupação: fragmentos cerâmicos, artefatos em pedra e dois blocos que serviriam de assento

Foto 4. Registrando o material
Foto 5. O início da ocupação com o círculo de pedra ao redor do bloco rochoso no centro da casa

Foto 6. A casa recomposta