segunda-feira, 29 de julho de 2019

MARINA AMANDA BARTH, ARQUEÓLOGA


Sou natural do município de Vera Cruz, a capital da gincana no vale do rio Pardo. Filha de agricultores, eu e meus irmãos éramos entretidos em meio à lida no cultivo do tabaco, principal subsistência econômica da região. A diversão ficava por conta dos banhos no arroio Andreas após a colheita. Escorregar no limo da laje era diversão e garantia de joelhos ralados! Marcas de infância feliz!


Em Lajeado, TO, na ponte sobre o rio Tocantins.


A arqueologia estava na vida da família desde gerações passadas. Na propriedade de minha bisavó Amanda Barth encontrava-se um grande sítio arqueológico da tradição Umbu. Primeiro foi ela eximia costureira que recolhia e trocava as pontas de projetil por tecido com um caixeiro viajante; as pontas devem ter chegado ao museu do Colégio Martin Luther, de Estrela; depois um interessado arrendou a terra do sítio para recolher material arqueológico, que trocava pela anuidade de suas filhas no Colégio Mauá, de Santa Cruz do Sul. Todas as pontas foram reunidas no CEPA (Centro de Ensino e Pesquisa Arqueológica) da UNISC (Universidade de Santa Cruz do Sul), registradas como sítio RS-RP:01 e 20-4 onde eu as encontrei nas diversas etapas de minha formação acadêmica.

Em 2003 iniciei a licenciatura em História na UNISC. Durante a graduação estagiei em escolas e no Museu Municipal Emilio Osmundo Assmann de Vera Cruz, onde me deparei com um vestido de noiva preto confeccionado pela Amanda.  No turno oposto conciliei atividades no CEPA como bolsista de iniciação científica PUIC e CNPq. Tive oportunidade de participar no acompanhamento arqueológico quando do restauro da Igreja Matriz de Santo Amaro em General Câmara, RS e do Colégio Militar de Rio Pardo; no Salvamento de sítios Arqueológico no Vale do Rio das Antas. O Prof. Dr. Sérgio Célio Klamt, coordenador do centro e orientador dos projetos acadêmicos, foi exímio incentivador dos bolsistas e fazia questão que participássemos de todas as etapas do projeto – do preparo do material de campo, das atividades de laboratório (limpeza, catalogação, classificação), acondicionamento, organização do acervo, publicações de artigos na Revista do Cepa e participação em seminários e congressos. Assim como para inúmeros arqueólogos ser Bolsista no CEPA foi fundamental para minha formação.

A caminho do campo em Passo Fundo, RS.   Nem tudo são flores, tem geada também! 



No CEPA- UNISC, acondicionando material arqueológico. 

Foram 11 anos na instituição (como bolsista e funcionária) convivendo com a pesquisa e pesquisadores que buscam o acervo do CEPA, um dos mais ricos do país. Sergio já se dedicava a arqueologia preventiva; ele se tornou um grande amigo e conselheiro e a arqueologia minha forma de subsistência, ambos não mais saíram de minha vida.

Professores Dr. Pedro Ignácio Schmitz e Dr. Sérgio Célio Klamt.


O mestrado fiz na UNISINOS, onde encontrei os professores Dr. Pedro Ignácio Schmitz, Dr. Jairo Henrique Rogge, Dr. Marcus Vinicius Beber, pesquisadores, funcionários e bolsistas e criei uma nova família de colegas e amigos. Na dissertação voltei às coleções do acervo do CEPA e Museu Mauá e novamente encontrei as pontas de projetil de minha bisavó Amanda. Nesse trabalho estudei a trajetória da arqueologia no Rio Grande do Sul, tomando como amostra o Museu do Colégio Mauá e o CEPA da UNISC de Santa Cruz do Sul. O Museu Mauá, mantido pela comunidade luterana (IECLB), com forte ação comunitária, desenvolvia a pesquisa e divulgação da arqueologia voltada para a comunidade local divulgando os resultados em artigos no jornal Gazeta do Sul e através da exposição no Museu, que chegou a ter 30.000 visitações anuais. O CEPA marcou sua trajetória na história da arqueologia num primeiro momento com arqueologia acadêmica com o Prof. Dr. Pedro Augusto Mentz Ribeiro (seu fundador em 1974), num segundo momento com arqueologia preventiva com Dr. Prof. Sérgio Célio Klamt. O trabalho da dissertação foi apreciado pela banca em agosto de 2013 com nota máxima e indicao para publicação. Para minha felicidade fui honrada com a publicação da dissertação “Arqueologia: ação comunitária ou ciência acadêmica” na edição especial dos 40 anos do Cepa. 

Funcionários, pesquisadores e bolsistas, amigos no Instituto Anchietano de Pesquisas 

Em 2015 retornei ao aconchego da equipe do IAP para doutorado na UNISINOS, buscando entender o padrão e o sistema de assentamento das populações da tradição Umbu do vale do rio Pardo. Ele forneceu uma excelente amostra de assentamentos a céu aberto para contrastar com os assentamentos em abrigos dos vales do rio dos Sinos e do Cai. Como amostra desses sítios escolhi o de minha bisavó Amanda e 7 assentamentos rigorosamente levantados por Klamt ao longo da rodovia RST/471 que liga o vale do rio Pardo ao planalto, cobrindo os diversos ambientes. Para a implantação no ambiente usei o denso levantamento da flora e da fauna realizado por Mentz Ribeiro, o responsável anterior pelo CEPA. A publicação está no prelo, na proxima edicão da revista do Cepa, alusivo aos seus 45 anos.

Agora, enquanto participo de processos seletivos em busca da estabilidade, dedico-me a minha empresa Barth Arqueologia e Educação Patrimonial realizando arqueologia preventiva em Parques Eólicos, Loteamentos, Pequenas Centrais Hidrelétricas, entre outros, com minha equipe de amigos e colaboradores. A arqueologia preventiva para mim vai além da preservação do patrimônio arqueológico, histórico e cultural das populações pretéritas. No momento em que a ciência acadêmica sofre da restrição de recursos, a arqueologia preventiva contribui com a localização de novos sítios, a pesquisa, a composição de acervos e a divulgação dos resultados das pesquisas em seminários, congressos e publicações. 

Em Porto Alegre, prospecção em grande sítio Guarani. 


Em Porto Alegre, sondagens no mesmo sítio.


Em Bom Jesus, a equipe na hora do lanche: Cachorro quente e chimarrão.

   
Nos imensos campos de Dom Pedrito, estudo vestígios das estâncias e criação de gado das reduções guaranis. 

Ainda com pequena caminhada na academia e na sociedade, tenho minha estrutura básica na família. É no seio dela que a dificuldade se fragiliza com um olhar, um sorriso fraterno, um abraço carinhoso ou no aconchegante colo da bisa Edi.  

Minha família: avó, pais, irmãos, sobrinho e chimarrão na manhã de inverno. 

A alegria do meu sobrinho e afilhado Stheven anima a família. A espontaneidade das respostas renova a esperança e nos faz crer no futuro melhor.  

Minha família pertence à pequena comunidade Evangélica de Confissão Luterana no Brasil de Linha Andreas em Vera Cruz que no próximo ano completa 150 anos de fundação.  É nela que encontramos apoio espiritual e solidariedade.  Sempre fui ativa nesta comunidade; atualmente sou presidente da mesma.  Temos orgulho da nossa centenária igreja, da antiga casa-escola e do campo santo com seus esculturais túmulos - verdadeiras obras de arte.  

Com Papai Noel (Irno Nauer), P. Décio Weber, Marina, PPHM Patrícia Hoffmann, Nair Foesch e Naura Kussler.

Conciliar trabalho, doutorado e integrar a diretoria da comunidade nos últimos quatro anos exigiu constante flexibilidade na agenda, compreensão do orientador da tese, do P. Décio e dos meus pares no presbitério. Acredito que tivemos êxito pois sorrimos mais que lamentamos.  Presidir uma comunidade é um desafio que me faz crescer enquanto ser humano, pois me aproxima das pessoas, faz presenciar as angústias, necessidades e alegrias dos membros da comunidade. Nos faz sentir responsáveis pelo bem-estar dos membros, crer que pequenas ações burocráticas não fazem a diferença na vida das pessoas. Pois como IECLB somos membros de um só corpo em Cristo.   

Diretoria do Sínodo Centro-Campanha Sul: Erni Jandrey (presidente), P. Mauri Magedanz (vice- pastor Sinodal), Martina Scherer (secretária), Marina Barth (vice-secretária), Oscar Stumm (tesoureiro), P. André Martin (vice-presidente), P. Décio Weber (Pastor Sinodal), Elton Bublitz (vice-tesoureiro) e Elfi Roede (representante do sínodo no conselho da Igreja).

Um petróglifo sobre o rio Lajeado, Lajeado TO.

Nos longos anos de formação me acostumei a manter a cabeça ocupada com problemas amplos, que precisavam respostas muito trabalhadas. Depois de entregar a tese senti um vazio nostálgico que estou buscando preencher com um novo projeto acadêmico: o petróglifo do Tocantins me enfeitiçou. E a chama do desejo de pesquisa se reacendeu. Sem financiamento acadêmico sigo com disposição na Fé e coragem! Com auxílio de amigos e do precursor da arqueologia brasileira Dr. Schmitz! Pois a pesquisa é fruto de questionamentos e uma constante busca de respostas. Ame a sabedoria, e ela o tornará importante; abrace-a e você será respeitado. Provérbios 4.8

Em meio aos livros, buscando material para o novo projeto acadêmico.

Texto e fotos: Marina Amanda Barth




segunda-feira, 15 de julho de 2019

PLANTAS MEDICINAIS E COMESTÍVEIS ESPONTÂNEAS


UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS
INSTITUTO ANCHIETANO DE PESQUISAS

PLANTAS MEDICINAIS E COMESTÍVEIS ESPONTÂNEAS

O Projeto Plantas Medicinais da Unisinos, iniciado no ano de 1992 pelo Prof. Pe. Clemente José Steffen SJ, tinha, entre outros objetivos, resgatar e divulgar a utilização das plantas espontâneas medicinais e comestíveis. Tal objetivo decorreu da percepção de que diante da crescente industrialização e comercialização de alimentos processados na segunda metade do século XX, a utilização de alimentos in natura de espécies cultivadas e espontâneas decresceu. Algumas espécies que cresciam junto a plantas cultivadas foram denominadas “daninhas” ou “invasoras” e, por isso, precisavam, no entendimento de alguns, ser erradicadas com a utilização de agrotóxicos.

Os movimentos iniciados da década de 1970 por ecologistas, entre eles Pe. Clemente, tinham, entre outras pautas, a discussão sobre as monoculturas, a utilização arbitrária de agrotóxicos, a preservação de espécies vegetais e animais afetadas indiscriminadamente pelo uso de agrotóxicos nas lavouras e a saúde humana. A crescente conscientização de parte da população e de acadêmicos gerou movimentos e pesquisas no sentido de minimizar as perdas ambientais já tão acentuadas na época e as doenças decorrentes.

Nas décadas de 1980 e 1990 era perceptível que o conhecimento sobre a utilização tradicional das espécies medicinais e comestíveis decaia. Neste sentido, Pe. Clemente escreveu vários textos que resgatam o conhecimento popular tradicional e estimulam o consumo de espécies espontâneas, alimentos que agregam nutrientes importantes na dieta alimentar e com grande disponibilidade.

Hoje é crescente a busca pela alimentação equilibrada, com menor consumo de alimentos processados, de menor custo e melhor qualidade, com menor desperdício na cadeia produtiva, proveniente de práticas agroecológicas e acessível a todos.

Resgatando o acervo do trabalho desenvolvido pelo Pe. Clemente, encontramos a coletânea de textos e fotos sobre “PLANTAS MEDICINAIS E COMESTÍVEIS ESPONTÂNEAS” onde informações valiosas resgatam os saberes populares e a importância das plantas espontâneas. Textos muito pertinentes às discussões atuais.

Os textos e fotos que seguem foram digitalizados por Gabriel Azevedo de Oliveira.

            Texto: Denise Schnorr
















quarta-feira, 3 de julho de 2019

Construindo a História do Guarani no Vale do Sinos - TCC em História na Unisinos

Em Junho deste ano de 2019 eu, Jefferson Aldemir Nunes, concluí meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) como requisito para receber o grau de Licenciado em História pela Unisinos. Essa monografia foi o resultado de 4 anos de trabalho como bolsista de Iniciação Científica no IAP, e buscou aprofundar todos os pontos do projeto que foi desenvolvido nesse período.

O estudo foi baseado na junção de duas fontes específicas. Primeiro, os materiais líticos e cerâmicos de 7 sítios Guarani que foram encontrados na região de Santo Antônio da Patrulha (hoje Caraá) em 1967, por Eurico Miller. Segundo, textos de missionários jesuítas que estabeleceram contato com os Carijó (considerados pela literatura arqueológica como pertencente ao grupo Guarani) no início do século XVII (1605-1635), dos quais se destacam Jerônimo Rodrigues e Inácio de Sequeira.

Para trabalhar com essas duas perspectivas diferentes, separei o TCC em três capítulos: um para explorar as fontes arqueológicas, um para as fontes jesuíticas, e um para juntar os dados e montar um modelo de ocupação do Guarani no Alto Vale do Rio dos Sinos, que percebesse o impacto causado pela chegada dos europeus.

Figura 1 – Vale do Rio dos Sinos com a localização dos sítios estudados no TCC. Adaptado de: DIAS, 2015.

Na parte arqueológica (onde utilizei o Histórico-Culturalismo de Betty Meggers para a análise), além de realizar uma descrição dos muitos recursos de flora e fauna disponíveis na Bacia, foi possível perceber a filiação da cerâmica e do lítico desses sítios com toda a cultura material do Guarani no Sul do Brasil descrita por outros trabalhos. Além disso, a presença de alguns fragmentos de cerâmica da tradição Taquara nos sítios, indicou contatos com essa outra população.

Figura 2 – Perfil das bordas cerâmicas do Sítio RS-S-289.


Na parte documental (onde utilizei elementos da Etno-História, Análise de Conteúdo e analogia direta), a descrição de fontes jesuíticas foi importante em vários aspectos. Em primeiro lugar, tive a real dimensão do aprofundamento dos missionários jesuítas no Sul do Brasil, alcançando até o Vale do Rio Caí, no Rio Grande do Sul. Isso aponta para um impacto considerável sobre os povos indígenas da região, que, por sua movimentação constante, estariam sujeitos às doenças e outros problemas decorrentes de contatos tão bruscos.
         

Figura 3 – Expansão missionária jesuítica no século XVII.

Em segundo lugar, as referências encontradas nesses textos sobre as formas de construção das casas, forma de plantar e consumir alimentos, das chefias, das pragas e da queda demográfica entre os Carijó, me permitiu realizar inferências para cobrir as muitas lacunas que são tradicionalmente encontradas no registro arqueológico.

Com tudo isso, consegui entender mais claramente como o Guarani se estabeleceu no Sinos, e como a chegada dos europeus (representados, em muitos momentos, pelos padres jesuítas), afetou toda a sua cultura. Dessa forma, houve o avanço dos indígenas para áreas cada vez menos favoráveis a seu modo de vida tradicional, e a desestruturação de seu padrão de assentamento.

A conclusão do TCC ampliou minha percepção sobre como a junção de fontes distintas permite aprofundar o conhecimento sobre os grupos nativos, e entender melhor seu relacionamento com os europeus no início dos contatos que foram tão importantes para a formação da nação brasileira. Criar pontes entre os diferentes saberes científicos é uma necessidade, e um caminho frutífero para construir um saber cada vez mais significativo.

Texto e Imagens: Jefferson Aldemir Nunes