sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

INSTITUTO ANCHIETANO, 65 ANOS


O TESTEMUNHO DE QUEM ESCREVEU A ATA DA FUNDAÇÃO

PARTE I

O Instituto Anchietano de Pesquisas é uma associação civil, de jesuítas, sem fins lucrativos, tendo como objetivo fazer pesquisa científica, manter suas coleções, promover e desenvolver realizações científico-culturais. 

Sua fundação é de 1956, no antigo Colégio Anchieta, no centro de Porto Alegre, que lhe deu nome e era sua referência. 

Sou o único representante dos que estavam presentes na hora da fundação (1956), da qual escrevi a ata e, agora (2021), me proponho fazer breve retrospectiva de sua trajetória, ao mesmo tempo que registro sua mudança para um novo status. Sou testemunha do que se deu nos 65 anos, que medeiam entre uma e outra data. Não expectador passivo, mas proativo nas mais variadas circunstâncias. Esta postagem é uma despedida.

Com a morte dos pais-fundadores, a partir em 1961 a sede do Instituto foi transferida do Colégio Anchieta para junto da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Leopoldo, onde se ia localizando um maior número de associados, criando novos espaços. Com a transformação da Faculdade em Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em 1969, a colaboração existente transformou-se em convênio na década de 1980. A partir de 2013 a Universidade recolheu o Instituto no seu Campus, onde lhe proporcionou novos espaços para suas coleções, laboratórios e exposições. 

Mais recentemente o Instituto Anchietano de Pesquisas, então mantido pela ASAV, em um movimento articulado com as mudanças estruturais previstas no Plano de Desenvolvimento Institucional da UNISINOS, foi integrado a Unidade Acadêmica de Pesquisa e Pós-Graduação, sinalizando um novo momento em que busca manter sua excelência em pesquisa bem como valorizar e dar continuidade ao trabalho desenvolvido pelos seus pais-fundadores. Coube ao associado Pe. Luiz Fernando M. Rodrigues a tarefa de conduzir o IAP nesta transição. 

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O Instituto Anchietano espelha um período de transição da pesquisa no Sul do Brasil. Transita de um estudo predominantemente particular, individual, sem treinamento específico, de problemáticas isoladas, indo para pesquisa como atividade coletiva, em equipe, numa instituição especializada e tratamento de problemas científicos globais. Os resultados, na primeira situação, eram socializados, predominantemente, com pessoas de sua classe ou obra e divulgados em revistas e outras publicações vernáculas, para abrangência local, regional ou nacional. Na segunda situação, os resultados são discutidos em congressos de pares e divulgados em revistas de caráter internacional, em língua de maior abrangência. No começo, os colégios e a missão indígena eram as bases operacionais; no meio do caminho encontramos a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; o ponto de chegada é a universidade com sua pós-graduação.

No início do Anchietano destacam-se dois ramos de pesquisa: por um lado a História com a Geografia, que na Comunidade jesuítica já tinham uma tradição estabelecida, cujo ponto de referência era o Instituto Histórico e Geográfico. De outro, a História Natural, com todos os seus desdobramentos (Botânica, Zoologia, Química, Etnografia, Arqueologia), nascida do Museu Escolar, instituição obrigatória para o reconhecimento da instituição como Ginásio, que nos educandários jesuítas recebia tratamento especial na mão de jesuítas formados no clássico ginásio alemão e, complementarmente, na Faculdade de Filosofia agitada pela expansão do evolucionismo.

O estudo da História manteve-se mais voltado à ação dos jesuítas com as populações lusa, imigrante e indígena da região. Dele resultaram muitas publicações, uma biblioteca de referência básica e um acervo de objetos ligados à vida religiosa das populações, entre altares, móveis, esculturas missioneiras, estátuas e quadros de santos, livros, vestes, cálices, ostensórios, cruzes e relicários. 

Amostras significativas do acervo histórico estão expostas, para utilidade, especialmente, dos estudantes das escolas da região, uso e exercício dos alunos da universidade. Destaco três atividades:

Arnaldo Bruxel, na intenção de aproximar documentos conservados em arquivos históricos do Velho e também do Novo Mundo, reproduziu fotograficamente centenas de milhares de páginas. Em preparação de suas obras, chegou a datilografar pequena parte delas, trabalho que resultou em 20 volumes in folio

Com seus estudos voltados para o latim e a vida de Roma, Milton Valente distinguiu-se dos estudos locais. Além de uma grande coleção de livros escolares, da tese e de obras de divulgação, deixou volumosa biblioteca especializada e milhares de documentos preparados para a feitura de uma nova História de Roma.

Anchietano também hospeda o ‘acervo BenoLermen’, que reúne cerca de 15.000 obituários de imigrantes alemães e seus descendentes, que são muito procurados por genealogistas.

História Natural iniciou com a exploração e reconhecimento do território ao qual os jesuítas chegaram. Ela resultou em levantamento e classificação de suas espécies vivas (plantas, animais e culturas indígenas) em seus respectivos ambientes. As coletas criaram acervos que preservam amostras como documentos básicos para mostrar, descrever e tornar públicas as riquezas do território. Os acervos são como organismos vivos, permanentemente acessados do mundo inteiro, as informações são reexaminadas, as classificações refeitas, necessitando manutenção continuada e ajuste permanente. Não são arquivos mortos. 

Do levantamento nasceram grandes coleções: Na Botânica foram reunidos 143.000 espécimes (amostras) de plantas nas diversas famílias vegetais (Angiospermas, Gimnospermas, Licófitas, Samambaias, Briófitas, Líquens, Algas). Eles foram colhidos e estudados principalmente por BalduínoRambo, Aloísio Sehnem e João Evangelista Rick. Na Zoologia, a coleção de insetos e borboletas de Pio Buck soma aproximadamente 100.000 indivíduos. Em Arqueologia, João Alfredo Rohr criou um impressionante acervo de material em seu estudo de sítios arqueológicos do litoral (sambaquis) e do planalto (casas subterrâneas) de Santa Catarina. Pedro Ignácio Schmitz realizou ampla amostragem das antigas culturas indígenas (12.500 a.C. a 1.000 d.C., abrangendo o Sul do Brasil, o Pantanal do Mato Grosso do Sul, o Cerrado e a Caatinga. Adalberto Holanda Pereira, como missionário, estudou os Mitos de diversas tribos indígenas de Mato Grosso.

Por ocasião da primeira transferência do Instituto, as coleções não puderam ser todas mantidas juntas. A coleção de Pio Buck permaneceu aos cuidados do Colégio Anchieta, em Porto Alegre; a coleção de João Alfredo Rohr ficou aos cuidados do Colégio Catarinense, em Florianópolis. Os demais acervos foram abrigados em espaços da nova sede do Anchietano

Os dados das coleções de Botânica estão numa rede mundial de herbários (SpeciesLink), através da qual vem sendo acessados, em mais de seis milhões de acessos anuais.  

O catálogo da coleção de Arqueologia de Pedro Ignácio Schmitz também está acessível on-line.

O acervo sacro dos historiadores está sendo digitalizado. 

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Uma parte considerável dos resultados das pesquisas foi socializada em edições do próprio Instituto. Como instrumento básico de extroversão e intercâmbio com instituições congêneres foi criada, já em 1956, a revista Pesquisas, em quatro seções: Botânica (75 volumes publicados), Antropologia (76 volumes), História (30 volumes), Zoologia (33 volumes). As duas últimas seções foram descontinuadas quando a UNISINOS fundou revistas tratando da mesma temática. Recentemente as publicações se tornaram digitais e os números passados também foram digitalizados.

Para trabalhos regionais, a Arqueologia ainda criou a série ‘Arqueologia do Rio Grande do Sul, Brasil. Documentos’ (11 volumes).

Publicações Avulsas (12 volumes) abriga temas históricos e arqueológicos, difíceis de abrigar na Revista Pesquisas por seu conteúdo ou grande formato.  

Um Blog divulga as notícias da casa, o trabalho de seus membros e a riqueza de seus acervos.


Texto: Prof. Dr. Pedro Ignácio Schmitz 

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